PREFEITURA DE SP REDUZ INTERNAÇÃO PARA DEPENDENTES QUÍMICOS
21/10/2013 - 03h30
– FOLHA - GIBA BERGAMIN JR. DE SÃO PAULO
Prefeitura
de SP reduz vagas para internação de dependentes químicos
A gestão Fernando Haddad (PT) encerrou contratos com três
comunidades terapêuticas --clínicas para tratar dependentes químicos--,
fechando ao menos cem leitos de internação.
Assinados na administração anterior, de Gilberto Kassab (PSD), os
convênios venceram e não foram renovados.]
Com essa medida, a Prefeitura de São Paulo vai priorizar um modelo
de atendimento que reduz internações prolongadas e mantém usuários de drogas
nas chamadas unidades de acolhimento, onde é permitido que eles passem por
tratamento sem ficarem isolados.
As vagas de internação fechadas, diz o município, foram
"reabertas" nesses locais.
Em vez de isolamento por um período de três a seis meses, como nas
comunidades terapêuticas, os usuários de drogas ficam em casas da prefeitura,
com a possibilidade de sair para trabalhar ou estudar e, depois, voltar para
dormir.
Apu Gomes/Folhapress | |
Usuários de drogas em centro terapêutico de Itapecerica da Serra, na Grande São PauloO Esta |
A administração municipal chama essa política de "redução de
danos".
A coordenadora de Saúde Mental da prefeitura, Myres Cavalcanti,
afirma que a internação prolongada de dependentes não é ideal.
Ela diz que os leitos fechados já foram repostos em novas casas de
acolhimento --seis delas foram abertas neste ano, aumentando o total de
unidades para 16.
PROGRAMA ESTADUAL
Mais uma tentativa de reduzir o número de viciados em crack, o
novo modelo se confronta com o programa do governo paulista, iniciado em
janeiro deste ano, que prevê internação involuntária --contra a vontade do
dependente-- em hospitais e clínicas da rede estadual.
Representantes das comunidades dizem que a mudança põe em risco o
tratamento iniciado com dependentes químicos graves.
"As famílias estão desesperadas. Tenho experiência em
dependência química e não acredito em redução de danos", disse uma
funcionária da Comunidade Sagrada Família, em Cotia (Grande São Paulo), que
pediu para não ser identificada.
"Nesse método, a pessoa costuma usar [droga] controladamente
para tentar chegar ao ponto de abstinência."
A prefeitura nega que permitirá o uso controlado.
Além da Sagrada Família, cujo contrato foi encerrado em 15 de
agosto, as comunidades Estância Verão, em Cajamar (Grande São Paulo), e Padre
Haroldo, em Campinas (100 km de SP), também não tiveram os acordos renovados.
Os convênios firmados com outras três entidades vencem neste ano.
A prefeitura ainda estuda se haverá ou não a renovação.
Gestor de convênios da Estância Verão, o psicólogo Edson Terra
Tomazi disse que o município vai precisar ampliar os leitos das unidades de
acolhimento.
"Do ponto de vista técnico, não acho que a prefeitura esteja
errada. O que não pode é fechar leitos sem abrir outros para dar continuidade.
E não é possível dizer que isto esteja acontecendo."
MANTIDO
Usuário de crack desde os 26 anos, A., 49, desempregado, teria o
tratamento interrompido numa das clínicas cujo convênio acabou. Ele se recusou
a sair e pediu à direção que o mantivesse. Conseguiu.
Morador do Itaim Paulista (zona leste), A. está há cinco meses
internado. "O pessoal da prefeitura queria me levar para essa unidade de
acolhimento. Eu iria voltar a usar [droga], certamente. Ninguém passa o dia na
rua sem usar. A recaída é muito mais fácil."
Isolar dependente químico nem sempre ajuda, diz
Prefeitura de SP
O tratamento prolongado em comunidades terapêuticas não é a
solução para dependentes químicos, afirma a coordenadora de saúde mental da
Prefeitura de São Paulo, Myres Cavalcanti.
Segundo ela, as internações referentes a casos graves continuarão
a ocorrer, mas em hospitais gerais.
"Não acreditamos que trancar a pessoa por seis meses seja o
que vai deixá-la curada ou abstêmia", afirmou.
Ela diz que as comunidades terapêuticas ficam fora da capital e
que esse distanciamento da rede Caps (Centros de Atenção Psicossocial)
prejudica o tratamento. Por isso, ela afirma que optou por não renovar os
convênios com clínicas e ampliar as unidades de acolhimento (UAs).
De acordo com Myres, não há uso controlado de drogas nessas casas.
"É um plano de convivência monitorado por profissionais. As pessoas
trabalham, estudam e voltam para a casa, onde são escaladas para serviços, como
cozinhar, por exemplo. Todos têm responsabilidades. Ninguém usa droga na
casa", disse.
'INSUCESSO'
Myres afirmou que os casos de internação serão encaminhados para
os hospitais.
"Se a pessoa quer se tratar, vai para um hospital geral e
ficará num leito por até 15 dias. Depois que ela sair, vai para um Caps, com o
apoio da família. Se não tiver nessas condições, pode ir para as casas [de
acolhimento]."
Segundo ela, o plano inclui suporte às famílias e acompanhamento
de psiquiatras e assistentes sociais.
A coordenadora defende que o tratamento que não esteja vinculado à
rede Caps "tende ao insucesso".
"As estatísticas mostram que, do total de dependentes, 30%
vão ficar sem uso [de droga] para sempre. Os 70% restantes temos que trabalhar
para a redução de danos, com esforço para a cura. Esse é o tratamento para
dependência."
De acordo com Myres, a internação contra a vontade do dependente
só é necessária quando há risco de morte.
VÁRIAS OPÇÕES
Para o psiquiatra Arthur Guerra, professor do Departamento de
Psiquiatria da USP, as internações prolongadas devem ocorrer nos casos mais
graves.
"Não defendo internação prolongada, mas, em termos de saúde
pública, acredito que deve haver diversas opções, seja de período prolongado,
curto prazo ou redução de danos. O que não pode é fechar numa opção só, de
forma radical", afirmou.
"Para alguns pacientes, a internação prolongada é a única
opção. Não adianta eu, por uma questão ideológica, achar que não é ideal e o
paciente sentir que é", disse.
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