Executivo era dono de uma casa de 500 metros quadrados num condomínio de alto padrão, um sítio em Itatiba
20/10/2013 - 02h25
– FOLHA – David Friedlander
Acusado
do maior desfalque a banco do país hoje vive de bico
O principal acusado do maior desfalque a banco da história do
país, o desvio de US$ 242 milhões do antigo Noroeste nos anos 90, vive hoje da
aposentadoria do INSS e faz bicos para reforçar o orçamento.
Nelson Sakagushi, 66 anos, já foi verdureiro, corretor de imóveis
e vendedor de produtos químicos. Sem nada no momento, o ex-diretor da área
internacional do Noroeste agora tenta dar aulas numa escola de inglês.
Por causa do escândalo, que veio à tona em 1998, diz ter perdido
quase todo o patrimônio construído nos tempos de executivo. A casa no
condomínio de alto padrão, o sítio no interior e os carros foram vendidos ao
longo dos últimos 15 anos para quitar dívidas e pagar a escola dos filhos.
De acordo com suas contas, somando as aposentadorias do casal e a
receita da mulher com aulas de português e matemática, hoje consegue juntar
cerca de R$ 5.500 no fim do mês. No auge da carreira, encerrada com a
descoberta do desfalque, ganhava o equivalente a US$ 25 mil (cerca RS$ 50 mil
hoje), tinha carro do banco e recebia dois bônus por ano.
"Você acha que, se tivesse dinheiro, ia passar tanto tempo no
sufoco? Não peguei esses US$ 200 e tantos milhões, nem US$ 10 milhões, nem US$
1 milhão."
Marcelo Soubhia - 9.abr.98/Folhapress | |
Nelson Sakagushi, em foto de 1998, época em que foi acusado de envolvimento em sumiço de recursos no banco Noroeste |
Sakagushi conversou com a Folha no último dia 11,
no escritório de seu advogado, no centro de Embu das Artes. Foi sua primeira
entrevista nos últimos dez anos. Foi vago em alguns pontos, não quis ser
fotografado e exigiu que o repórter deixasse o paletó, a bolsa e tudo que tinha
nos bolsos antes de vê-lo. "Ele acha que você pode ter uma câmara
escondida", explicou o advogado José Tadeu Galeti.
Sakagushi sempre negou ter colocado a mão no dinheiro do banco. A
diferença, desta vez, é que a versão é confirmada pelo lado de lá. Os advogados
dos ex-proprietários do Noroeste dizem que, depois de vasculhar sua vida
durante anos, concluíram que Sakagushi não ficou com nada para ele.
"Perdeu tudo para uma quadrilha de vigaristas nigerianos e
entregou cerca de US$ 10 milhões a uma mãe de santo, sua guia espiritual",
diz o advogado Domingos Refinetti, chefe da operação de busca que recuperou
para os ex-controladores mais da metade dos recursos desviados.
"Sakagushi é um doido. Juntou-se aos nigerianos para dar um
golpe no banco e acabou tomando um golpe deles", diz o advogado Otto
Steiner, ex-diretor jurídico do Noroeste e primeiro a investigar o caso.
GOLPE
O dinheiro do Noroeste começou a sumir em 1995, a partir de uma
agência que o banco tinha nas ilhas Cayman, um paraíso fiscal do Caribe. A
maior parte foi transferida para Suíça, Reino Unido e Estados Unidos --em
contas usadas por uma quadrilha internacional de lavagem de dinheiro, baseada
na Nigéria. Como as operações eram escondidas por meio de extratos e documentos
falsos, durante um bom tempo ninguém percebeu nada de anormal na filial do
Caribe.
As famílias Cochrane e Simonsen, donas do banco, só deram falta
dos US$ 242 milhões três anos depois, quando venderam o banco para o Santander.
Para não perder o negócio, precisaram devolver metade dos US$ 480 milhões que
tinham recebido do banco espanhol.
O responsável pelas transferências era Sakagushi, mas três de seus
subordinados também se envolveram. A descoberta foi um choque no banco.
Funcionário exemplar, quase 15 anos de casa, ele representava o Noroeste nos
encontros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
O ex-diretor diz que foi vítima na história, não o criminoso.
Teria sido convencido a investir na construção de um aeroporto na Nigéria por
um grupo de funcionários do governo e empresários daquele país. Quando deu por
si, não havia aeroporto algum e o dinheiro tinha sumido.
Diz que acreditava estar fazendo um bom negócio para o Noroeste,
mas não esclarece porque agiu às escondidas. "Mais gente no banco
sabia", limita-se a dizer.
PRISÃO
Do dinheiro sumido das ilhas Cayman, os ex-controladores do
Noroeste recuperaram US$ 150 milhões, que estavam investidos em aplicações
financeiras, imóveis e empresas comprados pelos nigerianos. Essa quadrilha mais
tarde foi desmantelada, e os golpistas foram condenados e presos em seu país.
Sakagushi responde a um processo que se arrasta há 14 anos no
Brasil, mas já foi condenado por lavagem de dinheiro e ficou dois anos preso
--na Suíça.
Foi o momento mais sofrido para a família Sakagushi. Com uma ordem
de prisão contra ele na Suiça, foi detido em 2002 ao pisar no aeroporto JFK, em
Nova York, e deportado para Genebra. Na cadeia, trabalhava na cozinha e mandava
de US$ 400 a US$ 450 por mês para casa.
Ex-colegas do banco lembram que naquela fase sua mulher vendia
arranjos de flores em feiras de artesanato da região de Cotia, onde a família
morava.
No retorno ao Brasil, em 2004, já endividado, pegou dinheiro
emprestado com parentes, comprou um caminhão velho e começou a plantar verduras
e legumes no sítio de Atibaia. Vendia a produção em pequenos mercados, na beira
da estrada, e chegou a ser fornecedor de um supermercado. O negócio não deu
certo, "porque tinha muita gente torcendo contra", e ele acabou se
desfazendo do sítio e do caminhão para pagar dívidas.
Depois foi corretor de imóveis, vendeu produtos químicos para
pequenas indústrias e chegou a entrar numa importadora de pedras decorativas,
que nem chegou a funcionar. No começo do ano, tentou emprego numa escola de
inglês, mas foi rejeitado. Acha que foi por causa da idade.
A situação da família do ex-diretor do Noroeste hoje é mais
tranquila. "Agora minhas duas filhas trabalham e ajudam em casa. As contas
do dia a dia estão equilibradas, mas precisei fazer um empréstimo consignado
para pagar dívidas que sobraram." Uma das filhas é professora de educação
física, a outra é bancária, e o filho ainda estuda.
Os cinco moram numa casa de 250 metros quadrados em Vargem Grande
do Sul, região metropolitana de São Paulo. Ele tem um Golf 1995, a mulher, um
Toyota Corolla 2004, e uma das filhas comprou um Fiesta 1.0, ano 2008,
financiado em 72 prestações. Esse é o patrimônio atual de Sakagushi. Antes do
escândalo, o então executivo era dono de uma casa de 500 metros quadrados num
condomínio de alto padrão, um sítio em Itatiba e três carros grandes.
A prioridade, neste fim de ano, é cuidar do processo penal. Aberto
em 1999, tem 52 volumes, mais de 10 mil páginas, envolve outros ex-funcionários
do Noroeste e corre em segredo de Justiça.
No fim do mês, acaba o prazo para que os réus apresentem seus
últimos argumentos e depois disso a papelada será entregue ao juiz da 6ª Vara
Criminal Federal de São Paulo, que começará a avaliar o caso. Sakagushi é o
principal acusado, por crimes como desvio de valores ou induzir o Banco Central
a erro. Advogados que acompanham o caso calculam que, se for condenado, o
ex-diretor do Noroeste poderá pegar de 7 a 22 anos de prisão.
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