Lei Maria da Penha já salvou 300 mil vidas, diz ministra Eleonora Menicucci
02/10/2013 - 03h04
- Folha
O estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)
mostrando, na semana passada, que o número de homicídios de mulheres não
diminuiu no período de aplicação da Lei Maria da Penha tirou o sono da ministra
Eleonora Menicucci.
Ela não contesta os dados, que mostram que a taxa média de
mortalidade, antes de 2007, era de 5,28 por 100 mil habitantes, e depois da lei
chegou a 5,22 por 100 mil. E sim as conclusões tiradas do trabalho. Ela recebeu
a coluna no sábado em sua casa, em Pinheiros, em SP, para a seguinte
entrevista.
Folha - A lei fracassou?
Eleonora Menicucci - A Lei Maria da penha é um sucesso. Ela
substituiu uma lei que, essa sim, era fracassada. Antigamente, a penalização
para o agressor era distribuir cestas básicas e fazer trabalho comunitário.
Isso incentivava a violência e não estimulava as mulheres a denunciarem. Ao
contrario, elas tinham vergonha de dizer que apanhavam. A Lei Maria da Penha
mudou isso.
Talvez não tanto quanto o desejado?
A Lei Maria da Penha tem apenas sete anos. Ela não está nem na adolescência,
ela está ainda na segunda infância. E seu primeiro sucesso foi possibilitar uma
articulação inédita entre os poderes executivos nacional, estadual, e municipal
com o judiciário, as promotorias e o sistema de segurança pública do país
inteiro. Houve uma mudança de concepção. As defensorias públicas, antigamente,
defendiam o réu [no caso, homens acusados de agressão]. Hoje, elas defendem a
vítima [a mulher agredida]. Isso já é um ganho extraordinário.
Os magistrados muitas vezes não são sensíveis a ela?
Isso ainda é um problema. Alguns juízes, lá do caixa prego, resolveram pedir
atestado psicológico da mulher antes de conceder a ela a medida protetiva, que
determina que o agressor fique a uma determinada distância dela. Isso é duvidar
da fala da mulher e pode ter consequências graves. Hoje, o juiz tem o prazo de
30 dias para expedir a medida protetiva. Fomos ao CNJ pedir que esse prazo seja
reduzido para 24 horas. A Elisa Samúdio [assassinada pelo goleiro Bruno] pediu
e não obteve a medida. Ela morreu. Com a proteção, provavelmente estaria viva.
E o caso de Luana Piovani, em que o Tribunal de Justiça do Rio
anulou a condenação do ex-namorado dela, Dado Dolabella, porque a atriz não
seria vulnerável?
Eu acho um absurdo. Só porque ela é rica, bonita, autossuficiente? A
vulnerabilidade não pega classe social. As mulheres de classe média para baixo
denunciam mais. A classe alta tem mais vergonha. Por isso a Luana foi extraordinária,
exemplar. É aquele velho paradigma patriarcal: ela é bonita, estava na boate,
usa vestidos curtos, ela estava pedindo. A Lei maria da Penha é clara: mulher
nenhuma pede para ser violentada ou agredida.
Por que o número de homicídios de mulheres não caiu?
Os dados desse estudo de uma pesquisadora do Ipea são baseados no 180 [número
que recebe denúncias] e em dados do SUS. A fonte é legítima e correta. Mas os
números não mostram o que é o simples homicídio, em que a mulher morre num
assalto, por exemplo, do feminicídio, em que ela é assassinada por uma questão
de gênero, por causa de uma relação de opressão e de violência doméstica. Nós
estamos debatendo um projeto de lei que transforma o feminicídio em crime, com
agravantes para o acusado. A conclusão de que esse estudo mostra que a Lei
Maria da Penha fracassou é equivocada. Não é só o número de mortes de mulheres
que vai definir o sucesso ou não da lei.
O que é então?
Só em 2011 foram 30 mil prisões de homens enquadrados na Lei Maria da Penha. As
projeções mostram que, nesse ano, serão 38 mil. Nós temos mais de 300 mil
medidas preventivas, protetivas, expedidas. A lei já salvou mais de 300 mil
vidas. Houve julgamentos exemplares que reforçam o caráter educativo da lei. Só
2% nunca ouviram falar dela. E há novidades interessantes por todo o país.
Quais?
No Espírito Santo, cem mulheres receberam o botão do pânico, com um GPS. Quando
o agressor se aproxima, a mulher aperta o botão. Uma viatura policial chega
imediatamente. Dois homens já foram presos por causa disso. Em Minas Gerais, os
homens acusados têm que usar tornozeleiras. Em 2006, quando a lei foi
promulgada, 46 mil mulheres ligaram para o 180. Estamos chegando já a um total
de 4 milhões de ligações em sete anos. As mulheres estão mais confiantes. Sabem
que não estão sozinhas. O Estado está do lado delas.
Mas os dados de homicídio podem ser um sinal.
Temos uma cultura patriarcal muito forte, da posse do corpo da mulher. As
mulheres tinham dificuldade de romper esse ciclo de violência porque não tinham
a porta de saída, que é a autonomia econômica, a possibilidade de entrar no
mercado de trabalho. Agora elas têm e têm também o aparato legal para combater
a violência. Mas não se muda uma mentalidade de quatro séculos em sete anos. A
lei não faz milagre. Mas a Maria da Penha é um "chutezinho" para o
começo do fim da impunidade.
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