quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Biografias: Cabe sim discussões e divergências, se não não libere a publicação do biografado.

09/10/2013 - 03h05

Mais músicos aderem ao lobby contra as biografias não autorizadas
O debate sobre publicação de biografias no país esquentou com a divulgação das gestões do grupo Procure Saber para consolidar, no Código Civil, o controle das histórias pelos próprios biografados.

A novidade, introduzida pela presidente do grupo, Paula Lavigne, é a tentativa de impor a obrigação de pagamento a biografados ou herdeiros. O pleito ganhou a adesão de artistas.
"Tudo o que se usa, paga", diz o sambista Wilson das Neves. "É até bom um dinheiro que entra na conta. Só estou esperando a minha vez."
O compositor Pedro Luís defende a iniciativa: "Todo mundo que é ingrediente do sucesso deve ser remunerado. Quem faz a revisão, a capa, não é remunerado? E o assunto do produto, não?".
"É justa a reivindicação", diz o roqueiro Nasi, que recebe 10% do preço de capa de sua biografia, "A Ira de Nasi" (Belas Letras), de Mauro Beting. "Você está explorando a história e a imagem de alguém. É como se eu deixasse de receber por uma música minha gravada por outro."
Biógrafos e editores, por sua vez, se mobilizam contra a iniciativa. "Sinto-me insultado com a afirmação de que biógrafos só buscam abarrotar o bolso de dinheiro", disse Mário Magalhães, que narrou a vida do guerrilheiro Carlos Marighella.
Fernando Morais (Olga Benário, Chatô, Paulo Coelho) também reagiu: "É pré-colombiano." Morais, que escreve agora a história de Lula, perguntou à reportagem se o apoio de Chico Buarque está confirmado (sua assessoria confirmou).
Regina Echeverria, biógrafa de Cazuza, Elis, Gonzaguinha e Gonzagão e José Sarney também se mostrou perplexa: "Não estou entendendo. Acho impossível. O Chico?".
Entre os pontos de discórdia está a eventual obrigação de pedir autorização e pagar a personagens controversos. Lira Neto, biógrafo de Getúlio, questiona se, caso escreva sobre Filinto Muller, chefe da polícia política do Estado Novo, precisará pagar e pedir autorização à família.
Magalhães evoca um exemplo mais recente, ainda vivo: "De acordo com a lei atual, o Cabo Anselmo poderia impedir a circulação de uma biografia independente. O Cabo Anselmo tem o direito de impor à história uma biografia chapa-branca? Afinal, a ditadura acabou ou não?".
Para Dudu Braga, o "Segundinho", esse argumento é "incoerente": "Na discussão das biografias não autorizadas colocam artistas e esportistas no mesmo saco que ditadores e criminosos?", tuitou o filho de Roberto Carlos.
O Procure Saber rejeitou pedidos de entrevista. Um tuíte deletado do perfil de Caetano dizia: "Querem fazer biografias sem autorização? Ok! Mas paguem ao biografado". Segundo sua assessoria, Lavigne controla entrevistas de Caetano sobre o tema.
09/10/2013 - 03h05

Biógrafo de Clarice pede que Caetano mude posição sobre biografias; leia carta
Autor da biografia 'Clarice', escritor Benjamin Moser pede ao amigo que reconsidere sua iniciativa.
Caro Caetano,
Nos EUA, quando eu era menino, havia uma campanha para prevenir acidentes na estrada. O slogan rezava: "Amigos não deixam amigos bêbados dirigir". Lembrei disso ao ler suas declarações e as de Paula Lavigne sobre biografias no Brasil. Fiquei tão chocado que me sinto obrigado a lhe dizer: amigo, pelo amor de Deus, não dirija.
Nós nos conhecemos há muitos anos, desde que ajudei a editar seu "Verdade Tropical" nos EUA. Depois, você foi maravilhoso quando lancei no Brasil a minha biografia de Clarice Lispector, escrevendo artigos e ajudando com o alcance que só você possui. Admiro você, de todo o meu coração.
E é como amigo e também biógrafo que te escrevo hoje. Sei que você sabe da importância de biografias para a divulgação de obras e a preservação da memória; e sei que você sabe quão onerosos são os obstáculos à difusão da cultura brasileira dentro do próprio Brasil, sem falar do exterior.
Fico constrangido em dizer que achei as declarações suas e da Paula, exigindo censura prévia de biografias, escandalosas, indignas de uma pessoa que tanto tem dado para a cultura do Brasil. Para o bem dessa mesma cultura, preciso dizer por quê.
Primeiro, achei esquisitíssimo músicos dizerem que biógrafos querem ficar com "fortunas". Caetano, como dizem no Brasil: fala sério. Ofereço o meu exemplo. A biografia de Clarice ficou nas listas de mais vendidos em todo o Brasil.
Mas, para chegar lá, o que foi preciso? Andei por cinco anos pela Ucrânia, pela Europa, pelos EUA, pesquisando nos arquivos e fazendo 257 entrevistas. Comprei centenas de livros. Visitei o Brasil 12 vezes.
Fiquei contente com as vendas, mas você acha que fiquei rico, depois de cinco anos de tais despesas? Faça o cálculo. A única coisa que ganhei foi a satisfação de ver o meu trabalho ajudar a pôr Clarice Lispector no lugar que merece.
Tive várias vantagens desde o início. Tive o apoio da família da Clarice. Publico em língua inglesa, em outro país.Tenho a sorte de ter dinheiro próprio. Imagine quantos escritores no Brasil reúnem essas condições: ninguém.
Mas a minha maior vantagem foi simplesmente ignorância.
Não fazia ideia das condições em que trabalham escritores e jornalistas brasileiros. Não sabia quanto não se pode dizer, num clima de medo que lembra a época de Machado de Assis, em que nada podia ofender a "Corte".
Aprendi, por exemplo, que era considerado "corajoso" escrever uma coisa que todo mundo no Brasil sabe há quase um século, que Mário de Andrade era gay. Aprendi que era até inusitado chamar uma cadeira de Sergio Bernardes de feia.
Aprendi o quanto ganham escritores, jornalistas e editores no Brasil, e quanto os seus empregos são inseguros, e como são amedrontados por ações jurídicas, como essas com que a Paula, tão bregamente, anda ameaçando.
É um tipo de censura que você talvez não reonheça por não ser a de sua época. Não obriga artistas a deixarem o país, não manda policiais aos teatros para bater nos atores. Mas que é censura, é. E muito mais eficaz do que a que existia na ditadura. Naquela época, as obras eram censuradas, mas existiam. Hoje, nem chegam a existir.
Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?
Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?
Por isso, também, essas declarações, de que o biógrafo faz isso só por amor ao lucro, ficam tão pouco elegantes na boca de Paula Lavigne. Toda a discussão fica em torno de nossas supostas "fortunas".
Você sabe que no Brasil existem leis contra a difamação; que um biógrafo, quando cita uma obra ainda com "copyright", tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente da coisa que você está defendendo.
De qualquer forma, essas obsessões com "fortunas" alheias fazem parte do Brasil do qual eu menos gosto. Une a tradicional inveja do vizinho com a moderna ênfase em dinheiro que transformou um livro, um disco, uma pintura em "produto cultural".
Não é questão de dinheiro, Caetano. A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos? Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice. Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios. Disso, todo mundo gosta. A diferença entre o jornalismo e a propaganda é que o jornalismo é crítico. Não existe só para difundir as opiniões dos mais poderosos. E essa liberdade ou é absoluta, ou não existe.
Imagino, e compreendo, que você pense que está defendendo o direito dos artistas à vida privada. Mas quem vai julgar quem é artista, o que é vida privada e o que é vida pública, sobre quem, e sobre o que se pode escrever e sobre quem e, sobre quem não? Você escreve em jornal, você, como o artista deve fazer, tem se metido no debate público. José Sarney, imortal da Academia Brasileira das Letras, escreve romances. Deve ser interditada também qualquer obra crítica sobre ele, sem autorização prévia?
Não pense, Caetano, que o seu passado de censurado e de exilado o proteja de você se converter em outra coisa. Lembre que o Sarney, quando foi eleito governador do Maranhão, chegou numa onda de aprovação da esquerda. Glauber Rocha, também amigo seu, foi lá filmar aquela nova aurora.
Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo,
Benjamin Moser
Benjamin Moser é autor de "Clarice" (Cosac Naify)


OPINIÃO: Sem entrar no mérito sobre o caso que esta sendo alvo dos comentários, mas quero deixar a minha opinião sobre a "proteção" da Lei, eu entendo que tudo que é tornado público pode ter opiniões a favor ou contrárias e a manifestação por qualquer parte é um direito constitucional.
Quanto as biografias depende de quem as escreve há sempre um direcionamento e um objetivo escolhido, e portanto pode gerar discussões de opiniões. Temos muito casos que lemos a biografia de uma determinada pessoa e vemos que a história não condiz com tudo o que esta escrito e portanto cabe discordâncias.
Tem muitos heróis que na realidade foram grandes vilões, e tem muita gente que na vida real foram verdadeiros ladrões e que em suas biografias são tidos como pessoas honestas e benfeitoras.
Se tornar um fato publico, não cabe processo a quem discordar do fato, não é difamação é correção da verdade.

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