sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A privatização da VASP. - Antonio Roque Citadini

A privatização da VASP. - Antonio Roque Citadini


TÍTULO XIX

A PRIVATIZAÇÃO DA VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S.A. - VASP

Nas contas de exercícios anteriores, a Viação Aérea São Paulo S.A. - VASP, figurava como uma das Sociedades de Economia Mista, ou seja, sendo uma sociedade sob controle acionário do Estado de São Paulo.
Privatizada em 1990, mediante transferência do seu controle acionário ao setor privado, mediante aquisição em leilão público, de 60% das ações ordinárias, remanesce a Fazenda Pública Estadual como titular da maioria das ações restantes.
Assim, quer perante a Administração estadual, quer perante este Tribunal, o assunto "VASP" não se esgotou.
De um lado, a Fazenda Pública ainda se vincula, por avais à amortização de parcelas decorrentes do contrato de refinanciamento celebrado entre a VASP e o Banco do Brasil.
De outro, ainda não solucionado esse problema, pendem as últimas Contas da VASP, antes da privatização, de decisão deste Tribunal.
A Comissão Parlamentar de Inquérito, da Câmara dos Deputados, encerrou seus trabalhos concluindo pela absoluta regularidade de todo o procedimento de privatização.
Mas, como visto acima, a VASP continua, por assim dizer, no Orçamento e Balanço do Estado, cabendo algumas considerações neste Relatório, ainda que a título de registro para a História.
Por isso incluo no meu Relatório sobre as Contas de 1992 do Governo do Estado, este título especial, denominado "A História da VASP e a Razão da Privatização".
É o que segue.
 A HISTÓRIA DA VASP E A RAZÃO DA PRIVATIZAÇÃO
A história da VASP é a história da perseguição permanente e impiedosa do Governo Federal. A privatização da empresa, em 1990, é o momento de rendição.
I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O assunto de que vamos tratar diz respeito à VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S.A. - VASP, empresa de aviação comercial, cujo capital, até 1990 pertencia majoritariamente ao Governo do Estado de São Paulo, e que, por decisão política dos Poderes Legislativo e Executivo foi objeto de privatização naquele ano, passando o seu controle acionário ao setor privado, mediante a aquisição, em leilão público, de 60% do capital com direito a voto.
O assunto é VASP, hoje uma empresa privada, cujo processo de privatização foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, da Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto de que teriam ocorrido "irregularidades" no referido procedimento como indica a própria denominação da Comissão.
Na verdade, pode-se afirmar, desde logo, que o processo de privatização foi transparente e democrático. Se fatos que foram apurados pela Comissão estão sendo classificados como irregulares, eles ou são posteriores à privatização ou são estranhos ao respectivo processo.
Estranhos, à margem do processo, tais fatos - aliás absolutamente desconhecidos à época - em nada afetam ou maculam o procedimento que levou à efetivação da privatização propriamente dita.
Mas, falar de privatização da VASP é falar da razão que levou o Governo do Estado de São Paulo a concluir pela inviabilidade do prosseguimento da empresa como estatal.
E isto leva inevitavelmente a duas indagações fundamentais:
- Por que a empresa VASP entrou em colapso?
- O que isto tem a ver com a história da aviação comercial no Brasil?
Neste momento em que se vê o Brasil sendo passado a limpo, há questões relevantes a serem esclarecidas em matéria de aviação comercial no Brasil, e, em particular, sobre a história da VASP.
Mas a história da VASP se de um lado é a história de pioneiros e dos esforços gigantescos dos sucessivos governos de São Paulo, de outro é a história da má vontade, primeiramente, do Governo Federal, e, posteriormente, do Ministério da Aeronáutica e seu Departamento de Aviação Civil, que acabou triunfando e levando o Estado de São Paulo a privatizar a empresa, diante das dificuldades e obstáculos a sua manutenção e expansão.
II - A HISTÓRIA DA VASP: A HISTÓRIA DA MÁ VONTADE FEDERAL
Não seria descabível dizer que a história da má vontade federal contra a VASP começa antes mesmo da fundação da empresa. É a má vontade federal contra a aviação do Estado de São Paulo.
Isto, sem dúvida, deriva do fato que podemos retirar da magnífica obra HISTÓRIA DA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA, do jornalista especialista em aeronáutica e historiador LENILDO TABOSA PESSOA (Editora Rios Ltda., 1989).
Vejamos:
"Dois anos depois da criação da 'Panair' mais precisamente no dia 25 de setembro de 1932, um de seus hidroaviões foi protagonista e vítima de um episódio curioso e trágico. Irrompera, no dia 9 de julho, a Revolução de São Paulo contra Getúlio Vargas. Um grupo de revolucionários paulistas, mecânicos furtou um Sikorsky S-38, o P-BDAD, talvez para reforçar, com ele, a frota de 'gaviões-de-penacho' constituída por quatro aviões Waco que fustigavam a esquadra que bloqueava os portos do Estado, mas, provavelmente levado por seu ardor revolucionário, cometeu o esquecimento fatal de não providenciar um piloto qualificado para pilotá-lo. O aparelho decolou do Rio de Janeiro e caiu apenas 25 km mais adiante, em São João do Meriti. "
A partir desse episódio, em que aviões paulistas bombardearam a esquadra federal que bloqueava os portos de São Paulo, a aviação estatal paulista seria sempre vista com desconfiança e, embora não fosse possível impedi-la, era, e foi sempre possível dificultá-la, preteri-la, até levá-la à quase exaustão, obrigando o Governo a privatizá-la, em face dos sucessivos "déficits" e da falta de recursos para investimentos no setor.
Colhendo dados na obra referida, e em outras fontes, verifica-se que, no ano seguinte ao da Revolução Constitucionalista de São Paulo, no dia 4 de novembro de 1933, um grupo de setenta e dois homens de negócio paulistas se reuniram e subscreveram o capital de 400 contos de réis para a constituição da sociedade anônima VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO, logo conhecida pela sigla VASP, que, nas palavras de LENILDO viria a ser "outro marco da história da aviação comercial brasileira" (obra citada, p. 73).
Em 31 de março de 1924, o Governo Federal deu autorização para o funcionamento da VASP, pelo Decreto n.º 24.070.
Diz LENILDO, a respeito da mensagem de 28 de outubro de 1934 enviada pela direção da empresa ao Interventor Federal no Estado de São Paulo:
"A mensagem ressaltava 'o interesse do Estado em criar e desenvolver, o mais breve possível, a aviação comercial'. Acrescentava, entretanto, que, para resolver o problema do estabelecimento de uma rede de linhas aéreas em seguras condições técnicas e administrativas seria absolutamente indispensável a assistência financeira do Estado à iniciativa particular que se propusera meter ombros à tarefa". (obra citada, p. 77).
A empresa pretendia "uma subvenção do Estado de São Paulo" e justificava-se, depois de apontar um prejuízo de doze contos e quinhentos mil réis, dizendo:
"Sem o prestígio que lhe dará o apoio oficial, dificilmente poderá ela prosseguir na realização de seus atuais serviços nem obter o capital indispensável à execução do seu programa. Bem pesadas as coisas, o que pretende a VASP é um apoio financeiro do Estado no valor correspondente à medida da utilidade do serviço público que vem realizando". (obra citada, p. 78).
De onde vinha o prejuízo, que já obrigava a VASP a pedir socorro ao Governo Estadual?
Já aqui se vislumbra a nefasta ação do Governo Federal, e quem o afirma é ARISTIDES PILEGGI, em artigo publicado na REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO PAULO (n.º LXXVIII, 1982, São Paulo, p. 10-13), transcrito por LENILDO, textualmente:
"Em verdade, os prejuízos decorriam em parte de que, durante quatro meses, e com todo o aparelhamento montado e o pessoal a postos, a VASP não pôde funcionar porque o Governo Federal não havia ainda expedido o decreto autorizando-a a estabelecer o tráfego aéreo" e acrescenta:
"Foram quatro meses em que se dispendiam mais de doze contos mensais e nada se podia produzir, porque a empresa estava impedida de transportar sequer um passageiro pago. Para uma pequena empresa, com capital de 400 contos, um desfalque de perto de 60 contos, aliado ao correspondente lucro cessante durante esse período, representava uma perda quase irreparável". (obra citada, p. 78)
Diante da situação econômico-financeira da empresa, e apesar de não ser a solução desejada por seus dirigentes, o Governo do Estado, ao invés de conceder a subvenção, resolveu assumir o controle acionário da empresa, cujo capital foi elevado para 3.000 contos de réis, passando a administrar a companhia aérea.
A respeito da estatização, observa LENILDO:
"Se a estatização trouxe à VASP o benefício do apoio oficial - em julho de 1935 a empresa conseguiu a subvenção estadual anual de 500 contos de réis por um período de dez anos - e lhe permitiu, por exemplo, aumentar sua frota, pagando e recebendo, em julho de 1936, mais dois aviões, os trimotores Junkers Ju-52-3M, encomendados no fim de 1933, desencadeou também, imediatamente, o processo de contínua rotatividade de sua direção e, o que é pior, a escolha de seus presidentes quase sempre por motivos exclusivamente políticos, mal esse que marcaria a história da empresa ao longo dos anos seguintes. Isto não significa que não tenha passado pela direção da VASP ótimos presidentes, mas mesmo eles, em muitos casos, foram homens provenientes de atividades estranhas à aviação e não raro, no momento em que começavam a tomar pé na empresa, caiam vítimas da mudança do governo"(obra citada, p. 79).
Também PILEGGI faz observação no mesmo sentido:
"a transformação da empresa em sociedade de capital misto, com controle acionário pelo Poder Público, fez que os mandatos dos diretores executivos perdurassem, quando muito, apenas pelo período do governo estadual empossado" (obra citada, p. 24-25), acrescentando LEANILDO que isto "a privava do benefício de uma continuidade administrativa" (obra citada, p. 80).
Mas, desde a origem, a VASP não podia contar com a boa vontade do Governo Federal: sempre prevaleceu a idéia inicial de que a companhia aérea fora criada por um grupo de São Paulo para treinar pilotos para revanche da derrota na Revolução de 1932.
Por isso as autoridades aeronáuticas do país sempre foram inimigas da VASP, como empresa estatal paulista.
E o seu colapso virá a ser uma decorrência da permanente oposição federal, tentando bloquear o crescimento da empresa, sempre condenada à estagnação, e, em conseqüência, ao desaparecimento.

III - A ORIGEM DA VARIG
Há observação que, embora aparentemente nada tenha com a história da aviação comercial, precisa ser feita, para demonstrar o protecionismo de que se beneficiou a VARIG ao longo dos anos.
Sabe-se que o Governador do Estado do Rio aproveita toda e qualquer oportunidade - além da coluna que mantém na imprensa do pais - para proclamar que a Rede Globo, as Organizações Globo, foram ajudadas, foram protegidas, pelo regime militar.
Mas a verdade é que ninguém foi mais beneficiado do que a VARIG, ostensivamente ajudada, tanto de maneira direta, pelos privilégios que lhe foram concedidos, como indiretamente, pelas contenções ou negativas impostas aos concorrentes, especialmente à empresa de São Paulo - a VASP, condenada a estagnação e derrocada diante da expansão sempre permitida à VARIG, como se vai ver em outros passos.
Não se pode deixar de mencionar fatos relativos à origem da VARIG. Qual a origem da VARIG?
Recorramos à magnífica obra HISTÓRIA DA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA, do jornalista, historiador e especialista em assuntos aeronáuticos, LENILDO TABOSA PESSOA.
Assim, saberemos que em 5 de maio de 1924 foi fundado, em Berlim, o "Condor Syndikat", consórcio aéreo experimental que tinha como objetivo promover a venda de aviões e material alemão no exterior, devendo, para isso, estudar as possibilidades de tráfego aéreo civil nas Américas do Sul e Central (obra citada, p. 42).
A empresa, depois de tentativa de vôo para os Estados Unidos, levou um avião à Montevidéu, de onde fez um histórico vôo para o Brasil, em 1925. Diz LENILDO que "esse famoso vôo, oficialmente um empreendimento comercial do 'Condor Syndikat' era, na realidade, financiado pela recém nascida 'Deustche Lufthansa' (hoje 'Lufthansa') e pelo Governo alemão"(obra citada, p. 43).
Em 1927 o Ministro da Viação e Obras Públicas brasileiro, Victor Konder, concedeu autorização para o "Condor Syndikat" operar serviços aéreos no Brasil, entre o Rio de Janeiro e a cidade de Rio Grande (no Estado do Rio Grande do Sul), com escalas em Santos, Paranaguá, São Francisco, Florianópolis, outra linha entre Rio Grande e Porto Alegre, com escala em Pelotas, e outras entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, podendo estender a linha até Montevidéu.
Usava-se o avião alemão Dornier Wal, batizado "Atlântico", a bordo do qual estava um ex-oficial da Força Aérea Alemã, Otto Ernst Meyer Labastille, vindo logo mais a fundar a Empresa de Viação Aérea Rio Grandense, com a sigla VARIG (obra citada, p. 44).
Na Alemanha, Otto Meyer conseguiu a participação do "Condor Syndikat" na VARIG, com 21% das ações, que seriam pagas com o avião Atlântico e assistência técnica para sua manutenção.
Transcrevem-se, ainda, trechos da obra mencionada, que bem demonstram a origem germânica da VARIG, aviões e capitais da Lufthansa, e os interesses alemães ocultos de desenvolver, fora da Alemanha e longe do Tratado de Versalhes, aeronáutica e pilotos. E, coincidência curiosa, a denominação "CONDOR", do Sindicato, seria utilizada logo mais pela Legião Alemã que foi lutar na Guerra Civil Espanhola, ao lado das tropas do General Franco!
Eis o que diz LENILDO:
"Essa primeira linha aérea comercial brasileira pertencia ao Condor Syndikat ou à VARIG?
R.E.G. Davies considera obscuras as relações entre Otto Meyer e o Condor Syndikat e acrescenta que o fundador da VARIG desempenhou um importante papel na introdução da empresa alemã no Brasil, mas que os acontecimentos posteriores sugerem que as ambições do Condor eram mais fortes e independentes da de Meyer. Na realidade, a própria cronologia dos fatos, especialmente a data em que o Condor Syndikat obteve a concessão governamental para operar no Brasil, sem nenhuma participação de Otto Meyer, parece excluir o citado papel. O que ocorreu, a partir da visita do fundador da VARIG à sede da empresa alemã, em Hamburgo, foi que os interesses de ambos se encontraram e convergiram para um mesmo objetivo. Como observa R.E.G. Davies, os recursos da empresa de Otto Meyer eram limitados e ele precisava de apoio, ao mesmo tempo que o Sindicato alemão via na associação com ele a maneira de consolidar mais facilmente sua introdução, já concretizada no Brasil".
E mais adiante:
"Foi somente no dia 7 deste mês, maio de 1927, que a VARIG foi oficialmente registrada, depois de ter realizado, no dia 1º de abril anterior, a primeira assembléia geral preparatória de seus acionistas. A autorização governamental para suas operações foi dada no dia 10 de junho de 1927, com o decreto 17.832. A concessão permitia vôos nas costas de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, com extensão até Montevidéu, dependendo de permissão das autoridades uruguaias.
Isso significa que, por ocasião da inauguração da Linha da Lagoa, a empresa gaúcha existia apenas no papel A VARIG foi a primeira empresa aérea comercial brasileira a ser criada e a efetivamente funcionar, pois, várias outras a precederam sem conseguir, contudo, decolar, mas o primeiro vôo comercial brasileiro foi feito pelo Condor Syndikat O primeiro aparelho da aviação comercial brasileiro foi o Atlântico, que pertenceu inicialmente ao Condor Syndikat, chegou ao Brasil como avião da Lufthansa, com a matrícula alemã D-1012, e recebeu, ao passar para a VARIG, a matrícula P-BAAA, posteriormente, com a mudança de forma da matrícula brasileira, trocada para PP-CAA.
Um dado curioso é que, embora o aparelho fosse produto da indústria aeronáutica alemã, na realidade fora construído em Pisa, Itália, porque o Tratado de Versalhes proibia a Alemanha de fabricar aviões com mais de um motor. (...)
Uma vez que a Lufthansa, fundada em 1926, passava, de certa forma, a exercer suas funções, o Condor Syndikat foi dissolvido, na Alemanha, no dia 1.º de julho de 1927, ou seja, pouco depois da transferência da Linha da Lagoa e do Atlântico para a VARIG."
Fica, assim, bem caracterizada a origem germânica da VARIG.
A expansão da companhia, sob o protecionismo do Governo Federal - aliado à permanente perseguição à VASP será objeto de considerações adiante.
 IV - O PROTECIONISMO NO GOVERNO FEDERAL PARA A EXPANSÃO MONOPOLÍSTICA DA VARIG
O historiador da aviação comercial brasileira, apos referir-se aos acontecimentos descritos no capítulo anterior prossegue com o trecho seguinte, que não pode deixar de ser transcrito:
"a VARIG passou a ser durante mais de vinte anos a única empresa aérea brasileira a fazer vôos internacionais, se se faz exceção para algumas linhas para países latinoamericanos, voadas pela Cruzeiro do Sul, que, de resto, está unida à companhia rio-grandense desde sua absorção, em 1975, embora continue juridicamente separada; para os vôos charters realizados pela VASP e pela Transbrasil para Aruba, Cuba, Miami e Orlando e para uma linha até o Paraguai obtida pela TAM - Transportes Aéreos Regionais, da qual falaremos no capítulo XV.
Esta última linha não é considerada pelo DAC como internacional, mas sim, em um curioso exemplo de casuísmo aeronáutico, como regional fronteiriça e ligou, durante três anos, Ponta Porã a Assunção. Atualmente está suspensa por motivo de dificuldades cambiais, mas a TAM detém ainda sua concessão.
O monopólio dos vôos internacionais pela VARIG deu motivo, ao longo dos anos, às reivindicações que eram feitas já em 1965, quando, por ocasião da cassação da Panair do Brasil, o então presidente da VASP, Prof Hélio Tomaghi, defendeu para sua empresa a participação na distribuição de suas linhas internacionais, ameaçando até fechar a companhia aérea paulista se não a obtivesse, Na ocasião, o Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Gomes, declarou temer pela sorte da VASP, que em um ano tivera três diretores, o que representava uma grande descontinuidade administrativa, ao que o Prof. Tomaghi respondeu espirituosamente: "0 que marca a descontinuidade administrativa não são as modificações na cúpula e sim na infra-estrutura. E se assim não fosse, a primeira medida a tomar seria fechar o Ministério da Aeronáutica, que em um ano já teve cinco ministros. Ou, então, terminar com o culto católico pois a Igreja já teve, em um ano, três papas." (obra citada, p.186)
E continua, demonstrando as tentativas da VARIG e Transbrasil para obtenção de linhas internacionais, a fim de gerarem receitas em moeda forte, necessárias à expansão e à própria sobrevivência das empresas:
"A VASP e a Transbrasil intensificaram, especialmente nos últimos anos, suas reivindicações de linhas internacionais, alegando que se encontravam, em relação à VARIG, em uma situação desvantajosa, uma vez que tinha, da mesma maneira que ela, de investir em aviões,pagos em dólares, ao passo que sua receita era apenas em moeda nacional, Em entrevistas à Imprensa, o presidente da Transbrasil, Ornar Fontana, recordava freqüentemente, com certa malícia, a tese de Ruben BMa sobre o espaço para mais de um caniço na pesca e pedia o fim do monopólio da VARIG.
O presidente da empresa rio-grandense, Hélio Smidt, negava, por sua vez, a existência do monopólio, Observando que muitas companhias estrangeiras fazem vôos do Brasil para o exterior, e dizia ser ilusória a afirmação sobre a rentabilidade das linhas internacionais. O presidente da VARIG negava também que as concorrentes tivessem estrutura para realização de vôos internacionais e afirmava que, se não pudessem mantê-los, não só comprometeriam o nome do Brasil, mas também criariam uma situação difícil para a sua empresa, que, no fim, teria de arcar com a responsabilidade dos compromissos assumidos por terceiros. A polêmica chegou, em 1986, à Câmara dos Deputados, onde uma comissão promoveu sessões de estudo nas quais prestaram depoimento os presidentes da VARIG, da VASP e da Transbrasil". (obra citada, p. 186).
E o que será visto no capítulo seguinte, em que se verão as conclusões não só da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, mas, também, as da Comissão Estadual de Inquérito, da Assembléia Legislativa de São Paulo, de onde ressaltam o protecionismo à VARIG e a perseguição à VASP, por parte do Governo Federal, ou seja, a expansão da VARIG e a condenação à morte lenta, mas irreversível, da VASP como empresa estatal paulista.
Antes, porém, continuemos a ver como foi-se dando a expansão da VARIG, sob a proteção do Governo Federal.
Limitando-se a apenas alguns episódios da longa história de protecionismo governamental beneficiando a VARIG e da progressiva e ininterrupta formação de seu monopólio cabe lembrar a aquisição, em 1961, pela VARIG, do Consórcio de Linneu Comes (REAL - Aerovias), com o que, como relata LENILDO TABOSA PESSOA,
"essas linhas internacionais passaram para a empresa rio-grandense. A VARIG passou a operar, com exclusividade, todas as linhas internacionais brasileiras depois dos fatos ocorridos em 1965 e que representaram, sem dúvida, os acontecimentos mais clamorosos da história da aviação comercial brasileira" (in HISTÓRIA DA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA, p. 177).
E bastante elucidativo, o trecho com que o mesmo autor continua a narrativa, e que demonstra simultaneamente o protecionismo à VARIG e a perseguição à VASP, além, é claro, da manobra contra a PANAIR - verdadeira pena de morte:
"No dia 10 de fevereiro daquele ano, apenas três horas antes de sua partida, o vôo da Panair do Brasil que devia sair para a Europa às 21:00 horas foi cancelado e imediatamente substituído por um da VARIG, que já tinha um avião preparado.
Dois dias depois, a Panair do Brasil ingressou na 6.ª Vara Cível da Guanabara declarando um passivo superior a 86 bilhões de cruzeiros e pedindo uma concordata preventiva. No dia 15 do mesmo mêsfevereiro de 1965, o juiz Mário Rebelo de Mendonça Filho, titular da Vara, alegando que "deferir o processamento da concordata preventiva seria absurdo, pois só haveria ônus novos e nenhuma possibilidade de recuperação da empresa", decretou sua falência. Os acontecimentos de 10 de fevereiro e dos seguintes tinham sido precedidos por rumores sobre a situação difícil da Panair do Brasil e sobre sua compra pela VASP. Em sua edição do dia 11 de fevereiro, o jornal carioca Tribuna da Imprensa publicava na seção 'Em Primeira Mão', uma matéria na qual o jornalista Hélio Fernandes dizia que, às 3 horas da madrugada daquele mesmo dia, ao fechar sua coluna, uma pessoa altamente credenciada da Panair lhe tinha afirmado: "Pode dizer que logo pela manhã entraremos com um mandado de segurança para fazer cessar o esbulho de que fomos vítimas". (obra citada, p. 177)
São ainda do especialista LENILDO TABOSA PESSOA as palavras que seguem, mostrando de que forma simplista o Governo perpetrou o esbulho da PANAIR:
"Quando o Diário Oficial de 11 de fevereiro foi posto em circulação, verificou-se que a cassação da Panair do Brasil não fora feita através de um decreto do presidente da República, o Marechal Castelo Branco, mas de um simples despacho aprovando uma exposição de motivos feita pelo ministro da Aeronáutica" . (obra citada, p. 178)
De nada adiantaram os protestos e medidas judiciais interpostas pelos Diretores da Panair, a não ser, quase 20 anos depois (l984), uma decisão do Supremo Tribunal Federal, de alguma forma reparadora para os ex-Diretores da empresa.
Diz LENILDO, transcrevendo nota dos ex-Diretores:
"Em nota publicara nos maiores jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, depois de liminar que o Supremo Tribunal Federal dera, por unanimidade, ganho de causa a sua companhia aérea, "primeira empresa privada a sofrer às conseqüências do autoritarismo instaurado em 1964, com a decretação arbitrária de sua falência" Paulo de Oliveira Sampaio e Jorge Mourão acrescentavam: '?Vunca foram esclarecidas as razões para a cassação das linhas da PANAIR DO BRASIL, ato que conduziu à decretação de sua falência, embora a empresa apresentasse sólida situação técnica e econômica, com amplas perspectivas no setor da aviação comercial.
Mais tarde foi negado também seu pedido de concordara para suspensão da falência, quando a empresa, apresentando proposta irrecusável, e satisfazendo a todas as condições legais, patrimoniais e financeiras, se comprometeu a pagar 100 por cento de seu débito à vista, Foi criado, então, o casuístico Decreto-lei 669, de 1969, que dizia: "Art. 1.º- Não podem impetrar concordara as empresas que, pelos seus atos constitutivos, tenham por objeto, exclusivamente ou não, a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica. Art. 2.º - O presente Decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se aos casos em curso (grifos nossos). Art. 3.º - Revogam-se as disposições em contrário.
Como se pode ver, um decreto feito especialmente para liquidar a PANAIR DO BRASIL, aplicado antes ainda de sua publicação no Diário Oficial e com efeito retroativo!" (obra citada, p. 181)
Continuemos.
Sabe-se que em 1960, ao completar o seu 14.º aniversário, a REAL já transportara mais de 12 milhões de passageiros, voava para sete países e registrava mais de um milhão de horas voadas, o que constituía, então, um recorde na história da aviação comercial brasileira. (LENILDO, obra citada, p. 118)
Em maio de 1961, a REAL apresentava problemas financeiros e vendeu à VARIG a metade de sua participação na AEROVIAS BRASIL, sendo que em agosto do mesmo ano a VARIG adquiriu integral controle da companhia, com a posse de 90% de suas ações. (id., ib., p. 118-119)
Depois de dizer que "como ocorrera com a compra da Aero Geral, a da REAL representou outro passo decisivo na história da VARIG e, consequentemente, pela posição que a companhia tem hoje ( ... ) pelo que a empresa de Linneu Gomes, depois de tod4 as compras e absorções realizadas, representava em linhas e equipamentos", observa que "não é fácil determinar exatamente como ocorreu a venda da REAL, bem qual o fato decisivo que, determinou" (id., ib., p. 119), mas ficando nítido que a VASP, NACIONAL e TRANSBRASIL, qualquer que seja a razão, não conseguiram adquirir partes da REAL, com o que a empresa paulista passaria a ter linhas internacionais, acabando a VARIG por adquirir toda a REAL. (id., ib., p. 120-121)
Narra, ainda, LENILDO, que "quando a empresa riograndense-do-sul adquiriu a REAL, ocorreu uma curiosa rebelião de alguns funcionários de Linneu Gomes, que tentaram criar uma nova companhia e chegaram a pintar três aviões com o nome REAL Aerovias Brasília ou simplesmente Aerovias Brasília. A rebelião foi sufocada em seu berço pela VARIG. (id., ib., p. 126)
Outro episódio demonstra, ainda, a ininterrupta seqüência de má vontade do Ministério da Aeronáutica em relação à VASP, e que intentava, outra vez, beneficiar a VARIG.
Trata-se da questão da crise da Transbrasil, em 1987, a propósito da qual relata LENILDO:
"0 governador de São Paulo, Orestes Quércia, se declarou contrário à concessão de um empréstimo governamental à empresa de Omar Fontana e no dia 9 de outubro propôs ao então ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, a fusão da Transbrasil com a empresa aérea paulista, para formar um grupo que conservasse o nome VASP. No mesmo dia o programa radiofônico A Voz do Brasil informou que o Governo estava estudando o assunto.
Tanto o governador Paulista quanto o ministro se mostravam favoráveis a que à VA SP e à Transbrasil se juntasse, no momento da fusão, um terceiro grupo proveniente da iniciativa privada, mas se declararam contrários a que esse grupo fosse a VARIG. O ministro da Aeronáutica, entretanto, se mostrou favorável à eventual entrada da empresa rio-grandense no grupo". (obra citada, p. 189)
E mais adiante:
"É possível que a crise da Transbrasil tenha contribuído, pelo menos no momento em que Orestes Quércia propôs sua fusão com a VASP, para precipitar o desencadeamento de um processo prometido pelo governador de São Paulo ainda durante sua campanha eleitoral. o de privatização da empresa aérea paulista". (obra citada, p. 192)
A propósito da absorção da Cruzeiro do Sul pela VARIG, ocorrida em 1975, afirma LENILDO:
"Uma paragem efetuada pelo Departamento de Aviação Civil comprovara uma situação de quase insolvência da empresa, que necessitava de 50 milhões de cruzeiros para saldar seus compromissos já vencidos e de mais de 300 milhões para os vincendos. Informa Aldo Pereira que uma análise posterior revelou que essa importância correspondia, na verdade, a metade das necessidades reais. Apesar disso, a Fundação Ruben Berta pagou 83 centavos por ação da Cruzeiro, quando a cotação das ações da própria VARIG era de 70 a 80 centavos, na Bolsa de Valores. A razão desse negócio, aparentemente sem justificação comercial, foi impedir que a VASP assumisse o controle da Cruzeiro do Sul.
O então presidente da empresa paulista, Flávio Musa, declarou que a VASP tinha grande interesse em adquirir a Cruzeiro, em primeiro lugar porque via a possibilidade de sua participação no mercado internacional e, em segundo lugar, porque tinha em vista a utilização de todo o potencial da companhia para seu próprio crescimento.
Segundo Flávio Musa, o governo federal pôs, como condição prévia para a realização do negócio, o compromisso de privatização da VASP, tendo o governo do Estado de São Paulo chegado a se comprometer. A VASP fez, então, uma oferta, que foi muito rapidamente julgada inaceitável, não lhe tendo sido dada a oportunidade de reconsiderá-la ou de fazer outra, pois, antes que lhe fosse possível estudar as pretensões da diretoria da Cruzeiro do Sul, foi ela vendida à VARIG". (obra citada, p. 198)
Ficam assim, perfeitamente claras, as manobras de sempre, a favor da VARIG e contra a VASP.
Por trás dos bastidores, as autoridades da Aeronáutica prosseguiram nas suas manobras para fortalecimento da VARIG e inviabilização da VASP, sempre impedida de adquirir outras companhias aéreas, com isso condenando-se à estagnação e inviabilização, até o ponto em que o Governo do Estado de São Paulo, em meio à grave crise econômica nacional, não tendo recursos para investimentos na aérea, teve que abrir mão do capital acionaria da VASP em 1990.



V - O PROTECIONISMO À VARIG E A PERSEGUIÇÃO À VASP E DEMAIS COMPANHIAS AÉREAS FICA DEMONSTRADO PELOS RELATORIOS DA COMISSÃO ESTADUAL DE INQUÉRITO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO E DA COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS



A história da VASP tem sido a história de uma perseguição obstinada, continuada e permanente, por parte das autoridades da aeronáutica civil do Ministério da Aeronáutica.


A privatização da empresa, em 1990, é o momento de rendição.


Tais foram as inúmeras dificuldades e obstáculos criados artificialmente para o normal desenvolvimento das atividades empresariais da VASP, que nem mesmo o poderoso Estado de São Paulo teve condições de continuar bancando sua companhia aérea.


Houve momentos em que ficou inquestionavelmente nítida a atitude danosa do DAC contra a VASP.


Um desses momentos, entre as muitas violências comerciais praticadas pelo Governo Federal contra a VASP, e que, com o correr do tempo foram inviabilizando a empresa, encontra-se o episódio da proibição da exploração das linhas de transporte aéreo regional, também chamadas de 3º nível.


Uma violência cometida por simples Portaria do Ministério da Aeronáutica, que passou por cima da Constituição e da legislação de Direito Comercial.


Uma simples Portaria Ministerial que atropelou os princípios constitucionais da legalidade ("ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" - Constituição Federal de 1967, com redação da E.C n.º 1/69, art. 153, § 2.º), da liberdade de iniciativa econômica (art. 160, I), basilar na organização econômica e social do País,


Simples Portaria Ministerial! Mas se os próprios Atos Institucionais não passavam de simples portarias interministeriais?


Fiquemos com a Portaria Ministerial.


Embora prepotente, desastrosa para a VASP - contra a qual, sob a capa de norma geral, especificamente se dirigia inconstitucional e ilegal, a Portaria veio para ficar. E ficou.


Trata-se da malsinada Portaria n.º 22-GM5, de 7 de janeiro de 1976, no auge dos tempos do Governo autoritário.


Diz a Portaria, no § 1.º do artigo 10:
"As empresas de transporte aéreo regular de âmbito nacional não poderão, individualmente, ter participação superior a 113 das ações com direito a voto do capital de uma Empresa de Transporte Aéreo Regional",

O § 3.º do mesmo dispôs:


"Os Estados e Municípios da mesma região poderão participar do capital social da Empresa de Transporte Aéreo Regional, não podendo, porém, essa participação, em conjunto, ser superior a 113 do capital com direito a voto".


São dispositivos de uma simples Portaria do Ministério da Aeronáutica que passaram por cima de normas constitucionais, de normas de legislação das sociedades anônimas, impondo limitações acionarias desconhecidas pelo Direito Comercial!


E são parágrafos de uma Portaria que previamente dividira o Brasil em cinco regiões de transportes aéreos regionais. A concessão por 15 anos, de exploração da região Centro-Oeste, que abrange parte dos Estados de São Paulo e o então Mato Grosso com ligações para o Pararia e Rio de Janeiro, foi entregue à TAM - Transportes Aéreos Regionais S.A.


O resultado dessa manobra escusa do Ministério da Aeronáutica pode ser avaliado por trecho do Relatório da Comissão Especial de Inquérito, da Assembléia Legislativa de São Paulo sobre a VASP (Requerimento n.º 1087 de 1980) onde se lê:


"...Na verdade, a questão realmente crucial seria, do nosso ponto de vista, apurar quem efetivamente se beneficiaria deste empenho patrimonial da VASP, isto é, quais os interesses privados que vieram a lucrar com o fato de a empresa do Estado ter viabilizado um empreendimento com a TAR. Respondendo a indagações com este sentido, formuladas pelo nobre Deputado Antonio Resk, respondeu o Sr. Flávio Musa: 'Na época era o Dr. Orlando Ometto que detinha o controle da TAM, Táxi Aéreo Marília e o Comandante Rolim Adolfo Amaro. Havia outras pessoas, mas os acionistas principais eram Orlando Otnetto e Rolim Adolfo Amaral (...)


Como eu já disse, não acredito que sejam os únicos beneficiarias desta operação, era exatamente este o intuito do que Vossa Excelência está dizendo, esta era exatamente a intenção do próprio Ministério da Aeronáutica: beneficiar um grupo privado que fosse operar esse serviço".


E conclui, no tópico, o Relator da CEI:


"Como se vê, são palavras conclusivas que dispensam quaisquer comentários. Decididamente, a criação da TAR e o envolvimento da VASP, na operação, por pressão federal e omissão das autoridades estaduais, em última instância, responsáveis pelos destinos da empresa, não se fez tendo em vista o benefício da empresa pública, mas sim, o privilegiamento de um grupo privado muito bem determinado e identificável.". (cf Relatório, DOE, Seção I, São Paulo, 6.3.82, p. 46)


O colapso da VASP está vinculado à permanente oposição federal visando impedir a expansão da empresa, condenando-a a estagnação, o que, no regime de livre concorrência - em especial no campo da ação civil - significa a inviabilização da empresa,


Ficaram expressos no Relatório da CEI, alguns momentos dessa injustificável ingerência nefasta do Governo Federal na VASP, a fim de inviabilizá-la.


A certa altura, diz o Relatório:


"( .. ) Desde a gestão do Brigadeiro Araripe Macedo no Ministério da Aeronáutica a VASP vem sofrendo toda espécie de discriminação com vistas a minimizar sua importância no mercado, tornando mais fácil sua privatização. De fato, o Brigadeiro Araripe Macedo pode ser considerado um dos principais adversários da VASP, expressão de uma política federal voltada para o beneficio das grandes empresas privadas do setor. Basta citarmos alguns exemplos para fundamentar este juízo. Um deles trazido a esta CEI pelo Comandante Max Hublet. Lembra ele que certa feita "o CONTAG autorizou a VASP à compra de dois Boeings 727-200 e negou à Mercedes-Benz a compra de um Diac- Falcon 10. Muito bem, foi para o Ministro referendar. E o que fez o Sr. Ministro? Autorizou o Falcon 10 da Mercedes Bens e negou os dois Boeings para a VASP." (cf D.O.E. de 6.3.82, p. 46)


E ainda do relatório da CEI:


"Outro exemplo célebre da campanha anti-VASP é o famoso Aviso Ministerial n.º 028/GM-5/145 de 6 de junho de 1977. Nele o Brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo expunha ao então Governador Paulo Egydio Martins '... as apreensões do Ministério da Aeronáutica de que os transportes aéreos escapem das mãos da iniciativa privada, caso não se contenham ou mesmo se reduza a presença no mercado da única empresa estatal existente a VASP - de propriedade do Governo do Estado de São Paulo. Embora reconhecendo os bons serviços que, desde sua criação, em 1933, sob os auspícios da iniciativa privada, vem prestando ao País, é fora de dúvida que em um mercado restrito e de características tão especiais, a presença de uma empresa estatal cria situações de competição muito desiguais e inseguras. Eis por que, Senhor Governador, para que a VASP possa continuar crescendo até os limites julgados convenientes pelo Departamento de Aviação Civil, faz-se necessário que se privatize em moldes semelhantes às demais empresas que operaram no setor'. Em tal aviso é clara a declaração de guerra à VASP: a política do Governo era, então, que se reduzisse a presença da VASP no mercado, segundo juízo do Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica".


Do mesmo Relatório transcreve-se mais o seguinte trecho: 


"Como se sabe, a VASP possui 47 anos e nunca conseguiu voar para o exterior, explorar este rendoso ramo da aviação comercial que são as viagens internacionais. Em 1947, a empresa recebeu do Governo Federal a linha para Roma. Apesar disso, não pode utilizá-la, por falta de equipamento, tendo que transferi-la para a Panair. Em 1959, foi escolhida para fazer a linha para o Japão. Mas foi a Real que inaugurou a linha que, hoje, pertence à VARIG. Mais recentemente, o Brigadeiro Délio Jardim de Matos autorizou a VASP a formar uma companhia com a Transbrasil com o fim de viajar para o exterior. A direção da VASP, no entanto, nada fez para concretizar este projeto e a Transbrasil acabou propor se associar com a Engesa (grupo Matarazzo e Villares) e, em breve, irá viajar para o exterior, ao passo que a VASP não.


Como se vê, Os interesses que antes se expressavam através do DAC - durante a gestão Araripe Macedo ainda hoje conseguem se sobrepor, de uma forma ou de outra, à sadia expansão da empresa paulista". (cf D.O.E. de 6.3.82, pág. 46)


O favorecimento do Ministério da Aeronáutica à VARIG, com prejuízos às demais empresas aéreas brasileiras, especialmente à VASP, também fica claro no Relatório da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados em seu trabalho sobre "A situação econômico-financeira das empresas de transporte aéreo no Brasil", realizado de 13.5 a 5.10.89.


Ao falar sobre a "Política Distributiva das Concessões", diz o Relator da Comissão, o Deputado José Tinoco:


"No quadro atual do conjunto de atividades do transporte aéreo regular no Brasil, domésticas e internacionais, é nítida a concentração de mercado em poder do grupo VARIG/CRUZEIRO, que detém 75% do faturamento total do setor, estimado em US$ 2 bilhões por ano. Comparativamente à VARIG, as outras duas empresas situam-se em nível bastante inferior a VASP com 15% a TRANSBRASIL com 10%. (Fonte: DAC - Relatório de Custeio das Empresas).


Os depoimentos demonstram que a atual hegemonia da VARIG decorre de uma série de crises que ocorreram repetidamente ao longo das décadas de 50, 60 e 70, conturbando o processo de desenvolvimento da economia da indústria do transporte aéreo no Brasil, provocando a extinção e/ou absorção de grandes empresas. Na década de 80 ocorreu novo surto de crises, em 1982 e 83, e a mais recente, em 1987/88/89, atingiu a TRANSBRASIL, que precisou ser socorrida por recursos governamentais. No início da década de 50, a maior empresa, a PANAIR DO BRASIL detinha 27% da atividade total do setor (doméstica e internacional) competindo com outras 17 empresas, entre elas VARIG, com 10%. Esse quadro na época, tomava possível a existência de empresas com participação inferior a 1%.


No início da década de 60 a VARIG já era a maior empresa, detendo 28% da atividade total, competindo com outras 6.


Em 1975, após absorver a REAL - AEROVIAS em 1961, e as linhas internacionais da PANAIR DO BRASIL em 1965, que teve naquele ano sua falência decretada pelo Governo, a VARIG absorveu a CRUZEIRO adquirindo-a com recursos obtidos através de empréstimo do Banco do Brasil, e atingiu a posição de 67%, ou 2/3 do mercado doméstico e internacional. Com a absorção da CRUZEIRO, a VARIG adquire a exclusividade absoluta das linhas internacionais: as de longo curso que já possuía, e as internacionais regionais da CRUZEIRO. Em contrapartida o Ministério da Aeronáutica limita a sua participação conjunta com a CRUZEIRO no mercado doméstico a 40%. Em 1988 ao Ministério da Aeronáutica a VASP e a TRANSBRASIL postularam linhas internacionais regulares para destinos situados em países ainda não servidos pela VARIG, com exceção de países de grande extensão territorial e expressivo - volume de tráfego para o BRASIL, onde é permitida a concorrência de uma 2.ª empresa brasileira, além da VARIG. A TRANSBRASIL obteve ainda em 1988 autorização para uma linha regular para Orlando na Flórida, EUA, embora sua implantação dependesse da celebração do acordo BRASIL/EUA, assinado em janeiro/89, e a VASP obteve linha regular para Aruba, no Caribe, em 1989.


Em contrapartida, o limite de participação da VARIG/CRUZEIRO no mercado doméstico foi ampliado, de 40 para 50%, ainda em 1988, permitindo que a VARIG/CRUZEIRO atingisse, já naquele ano, 75% do mercado doméstico e internacional agregados, sem considerar sua participação na exploração dos serviços regionais através do controle acionário da RIO SUL.


O comandante Omar Fontana, fundador da TRANSBRASIL, assim que se pronunciou a esse respeito: "em qualquer parte do mundo, uma empresa com 75% do mercado detém 3 tipos de poder o poder econômico, o poder político ou de influência e o poder de mercado".


E ainda da Comissão de Fiscalização e Controle a seguinte observação:


"No exame de outro fator, intrinsecamente relacionado com a situação econômico-financeira das empresas aéreas, o acesso destas à exploração dos serviços internacionais regulares, permitindo-se maiores oportunidades à VASP e à TRANSBRASIL de participarem e competirem nesses mercados, como meio de compensarem as conjunturas adversas do mercado interno, e aumentarem sua produtividade, houve nítida divergência de opiniões, de um lado o intenso interesse da VASP e da TRANSBRASIL de ampliarem suas atividades internacionais, e de outro a posição conservadora da VARIG, defendendo a manutenção de sua exclusividade, com base no receio pela repetição dos insucessos do passado, quando o transporte internacional de bandeira brasileira era exercido por mais de uma concessionária"


No Capítulo "Conclusões e Recomendações" da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados lêem-se, entre os "considerando":


"a precária situação econômico-financeira de toda a indústria do transporte aéreo, configurando alarmante estado crítico de potencial desestruturação e falência;" "o desequilíbrio competitivo demonstrado pela concentração da maior parte da atividade do setor em poder de um único grupo concorrente de capital privado, destacando-se, a vulnerabilidade das demais empresas que dependem exclusivamente da atividade econômica do mercado doméstico", as quais se seguem estas importantes considerações:


"1. Cumpre prioritariamente ao poder concedente reverter o processo de concentração e desequilíbrio de forças, promovendo uma redistribuição gradativa das concessões e das oportunidades de crescimento.


1.1. No mercado internacional assegurar à VARIG/CRUZEIRO o direito de exclusividade às linhas e frequências regulares já operadas para o exterior por essas empresas, e incentivar o ingresso da TRANSBRASIL e da VASP para participarem, na medida de suas possibilidades, do crescimento vegetativo das diversas ligações internacionais, de longo curso e regionais,


1.2. No mercado doméstico, incentivar prioritariamente a ampliação de participação da TRANSBRASIL, e da VASP nos segmentos que apresentem oportunidades imediatas dos potenciais, de resultados lucrativos como por exemplo nos serviços da Ponte Aérea Rio/São Paulo, e em outros segmentos em franco desenvolvimento econômico".


VI - A HISTÓRIA DA TAM (TRANSPORTES AÉREOS REGIONAIS) OU COMO A VASP FOI LESADA


No capítulo anterior, foi analisada a Portaria do Ministério da Aeronáutica, de n.º 22-GM-5, de 7.1.76 que, dispondo sobre os transportes aéreos regionais, na prática retirou da VASP os serviços de terceiro nível, permitindo a constituição da TAM - Transportes Aéreos Regionais, com equipamentos e linhas da VASP, o que constituiu mais um dos certeiros tiros contra a estatal paulista.


E qual foi o resultado danoso para a VASP, da Portaria 22 do Ministério da Aeronáutica?


Não é possível deixar de examinar detidamente o caso, ainda que se alongue, para cabal demonstração de como a empresa paulista foi vítima de verdadeiro assalto programado e cumprido religiosamente em suas etapas progressivas,


No próprio relatório da Comissão Especial de Inquérito, da Assembléia Legislativa de São Paulo, se disse que ainda em 1976, por imposição da Portaria n.º 22 do Ministério da Aeronáutica, a VASP se associou à pré-falimentar TAM Táxi Aéreo Marília S.A. e constituiu a TAR - Transportes Aéreos Regionais S.A., porque a referida Portaria limitou a participação acionária das empresas de 1.º e 2.º níveis, no capital votante das empresas de 3.º nível, em 33,3%, e impediu que aquelas empresas continuassem a explorar em âmbito regional.


Essa operação foi classificada pelo Relator da CEI com palavras que merecem ser transcritas:


"Realmente, o negócio VASP-TAM-TAR constitui uma das mais escabrosas páginas de nossa história sobre a malversação do dinheiro público".


passando a mostrar, em seguida falta de cuidado do Governo do Estado, em proteger o erário público e o patrimônio e os interesses da VASP.


Seja esclarecido, desde logo, que a TAM - Transportes Aéreos Regionais S.A. foi constituída em 1976 com um capital inicial de Cr$ 58 milhões, sendo Cr$ 33,7 milhões representados por ações ordinárias e Cr$ 24,3 milhões por ações preferenciais. A VASP, incorporando seis aviões Bandeirante, adquiriu 33,3% das ações ordinárias (com direito a voto), cerca de Cr$ 11,2 milhões, e todas as ações preferenciais, Cr$ 24,3 milhões, perfazendo um total de Cr$ 35,5 milhões. Em 12 de julho de 1976, incorporou mais três aviões Bandeirante à TAM - Transportes Aéreos Regionais S.A. (TAM~TAR) que, somados a peças e acessórios, atingiram a casa dos Cr$ 25 milhões, em março de 1978.


Como a Transportes Aéreos Marília só tinha pequenos aviões inservíveis para transportes regionais, verifica-se que exclusivamente a VASP possibilitou a existência e funcionamento da nova companhia, entrando com os aviões necessários e indispensáveis. Sem eles não existiria a TAM.


E entrou para nada ganhar, como o futuro provaria. E aos poucos tudo ir perdendo.


Antes de transcrever novo trecho do Relator da CEI, observo que estávamos em 1976 e que se encontrava na Chefia do Executivo o Governador Paulo Egydio Martins, em cujo governo começou a ir-se diluindo o patrimônio da VASP.


"Em primeiro lugar a VA SP podma adquirir 1/3 das ações com direito a voto, o Estado de São Paulo poderia adquirir 1/3 das ações com direito a voto (art. 10,, § 3.º da Portaria n.º 22 - GM5-76) e o restante 1/3 ser entregue a particulares. Com o controle acionário da empresa de terceiro nível, o Governo do Estado de São Paulo faria com que a empresa criada atuasse como "feeder line", atendendo aos interesses do Governo do Estado e não exclusivamente aos da empresa considerada isoladamente, como acontece hoje com a TAM-TAR". 


Já em sessão de 17 de abril de 1984, ao julgar as contas da VASP, relativas ao exercício de 1980, conforme processo TC-645/81, o Relator Conselheiro Orlando Zancaner protestava contra o descaso de sucessivas administrações da VASP e Governos Estaduais.


Quem sempre se preocupou pelos interesses e pela sorte da VASP, conhece esse voto, que, embora longo, não pode deixar de ser mencionado, lido e transcrito, pois historia perfeitamente a contribuição de sucessivos governos estaduais e administrações daquela companhia aérea para a verdadeira transferência de patrimônio da VASP para particulares, e que tanto colaborou para a derrocada da empresa, enquanto a TAM crescia a ponto de em 1990 pré-qualificar-se para a aquisição da própria VASP, quando do processo de privatização.


Eis, quase na íntegra, aquelas considerações, que constituetn um verdadeiro e assustador histórico do descaso estadual pelos interesses da VASP na TAM, vale dizer, pelo próprio património da VASP:


"Com a omissão, senão pior: com a convivência, da criminosa condescendência das administrações da própria VASP e dos governo estaduais que as nomearam e nada fizeram para impedir a progressiva dilapidação daquele patrimônio da VASP, afetando a constituição da TAM que, se desde o início da associação, por força da Portaria do Ministério da Aeronáutica já fugira do controle da VASP, continuou a fugir cada vez mais, paulatina e progressivamente, vendo-se esse patrimônio - para usar uma expressão que surgiu nas negociações da dívida externa brasileira - como a correr para o ralo, ou para o esgoto, não obstante engordando o patrimônio dos felizes particulares beneficiários da Portaria do Ministério da Aeronáutica e da condescendência da VASP e governos de São Paulo.


Por ocasião da Assembléia Geral Extraordinária de 27/5/76 de constituição da TAM, repita-se, no Governo Paulo Egydio, a distribuição do capital entre ações ordinárias com direito a voto e preferenciais, não votantes, era de 58,142% das primeiras e 41,858% das segundas.


Das ações ordinárias a VASP subscreveu o limite da Portaria do Ministério da Aeronáutica os 33,333%, e a Táxi-Aéreo Marília, os 66,667%. Das ações preferenciais, a VASP: 99,988%, a Táxi-Aéreo nada e os demais acionistas 0,012%.


No total do capital (ações ordinárias mais ações preferenciais) a VASP detinha 61,234%, a Táxi-Aéreo 38,762% e os demais acionistas aqueles 0,004% já referidos.


Portanto, foi substancial a participação da VASP, com 61,234% do capital social total, mas como estava limitada a 33,333% do capital votante, entrou na condição de acionista minoritária, ou seja, contribui com a maior parcela do capital total, sem direito a influir na administração e nos destinos da empresa.


Consoante se vê da ata da Assembléia Geral de constituição da TAR - Transportes Aéreos Regionais S.A., de 27 de maio de 1976, fixou-se o "capital social subscrito de Cr$ 58.000.000,00 dividido em 33.722.601 ações ordinárias e 24.277.399 preferenciais, estas sem direito a voto conforme previamente acordado entre todos os presentes interessados na subscrição de seu capital social, devendo o valor total do capital subscrito pela TAM - Táxi-Aéreo Marília e pela Viação Aérea São Paulo S.A - VASP ser integralizado através da conferência de bens e em dinheiro pelos demais subscritores (aliás, diga-se de passagem, representando apenas 0,012% do capital total).


Começou aqui o enterro, os funerais, do capital da VASP na TAM. Porque, conforme se vê na continuação da assembléia, a 31 de maio de 1976 da antiga TAM - Táxi-Aéreo Marilia, os bens com a qual integralizaria parte das ações subscritas foram avaliados no total global de Cr$ 17.633.140,00 "representados por seis aeronaves "Cessnas" usados e uma aeronave "Piper" usada (todas essas aeronaves avaliadas em Cr$ 12.467.911,00) três motores "Continental" usados, e o valor dos investimentos já realizados anteriormente (...) na preparação e implantação de duas linhas aéreas regulares regionais (...)".


Enquanto isso, os bens oferecidos pela VASP constituíam-se de cinco aeronaves fabricadas pela EMBRAER, modelo "Bandeirante", ano 1973, usadas, sendo que a VASP, posteriormente, entrou com mais três aeronaves "Bandeirante", ano 1974, três turbinas e dois valores de crédito (que não interessa considerar). Essas oito aeronaves foram avaliadas em Cr$ 49.702.166,00.


O que se pretende demonstrar é a enormidade do logro imposto à VASP: enquanto a TAM - Táxi-Aéreo Marília entrava com seis aeronaves "Cessna" e uma "Piper", com reduzida capacidade de passageiros e a toda evidência não só impróprias, mas, principalmente, insuficientes para o porte da empresa da região que o Ministério da Aeronáutica destinava a São Paulo (Estados de São Paulo e Mato Grosso com ligações para Paraná e Rio de Janeiro) a VASP entrava exatamente com as aeronaves "Bandeirante", em número de oito, adequadas para a companhia de transportes aéreos regionais, e sem as quais a antiga TAM - Táxi-Aéreo Marília jamais se transformaria na regional que seus proprietários pretendiam obter com o capital da VASP.


E tanta certeza tinham os antigos proprietários da TAM Táxi-Aéreo Marília na capitulação da acionista VASP, que a nova empresa denominava-se "TAR - Transportes Aéreos Regionais". Continuava TAM; continuava dos mesmos donos, não obstante o imenso patrimônio que a VASP aportava na constituição da "nova" empresa.


Examinando-se os resultados dos balanços de cada ano, desde a constituição da TAM - Transportes Aéreos Regionais S.A., verificar-se-á que a única vantagem da VASP, na sociedade,, que era a preferência na distribuição dos resultados anuais, assegurada de início pela quase totalidade das ações preferenciais, nunca se efetivou, pois a Táxi-Aéreo, detentora exclusiva do capital votante, a cada ano decidia reter os lucros, não distribuindo dividendos. Portanto, sem direito a voto, a VASP, que contribuíra decisivamente para a constituição da empresa, praticamente enterrou sua participação na TAM sem mais nada poder fazer a não ser contentar-se em ver o seu patrimônio passar cada vez mais para as mãos dos felizes particulares donos da Táxi-Aéreo!


Na Assembléia Geral de constituição da TAM - Transportes Aéreos Regionais, em 1976, a VASP subscreveu 61,234% do total do capital social, a Táxi-Aéreo Marília, 38,762% e outros 0,004%.


Na distribuição das ações, a VASP, limitada pela ilegal Portaria n.º 22 do Ministério da Aeronáutica, ficou com 3,333% e a Táxi-Aéreo Marília, 66,667%; nas ações preferenciais, a VASP com 99,988%, a Táxi Aéreo Marília não subscreveu, e outros acionistas com 0,012%.


Enquanto a Táxi-Aéreo integralizava com aeronaves imprestáveis para transportes aéreos regionais (para simples táxiaéreo serviam) e com o valor dos investimentos de duas linhas aéreas, a VASP, que entrou com mais linhas aéreas e toda uma infra-estrutura aeroportuária, como tanto se falou na Comissão Especial de Inquérito da Assembléia Legislativa, não teve o respectivo valor compactuado na subscrição e integralização do capital. Entrou, como vimos. com as oito aeronaves "Bandeirante", absolutamente essenciais à empresa que se formava, e na qual a VASP nada mandaria e seria paulatina e progressivamente assaltada, com a conivência, repita-se, do Governo estadual e das direções da própria VASP.


Na Assembléia Geral Extraordinária de 30/5/79, agora no Governo Paulo Salim Maluf, a TAR - Transportes Aéreos Regionais aumentou o capital social de 58 milhões para 118 milhões de cruzeiros com aproveitamento de verbas hábeis (lucros disponíveis do exercício, mais os acumulados nos balanços anteriores), ou seja, a VASP não recebia dividendos correspondentes as ações preferenciais como reserva legal, reservas extraordinarias, correção monetária do capital, reavaliação do imobilizado.


No novo capital de 118 milhões de cruzeiros, a VASP mantinha a proporção de 61,234%, a TAM Táxi-Aéreo Manlia também os 38,762% e outros 0,004%, sendo também mantidas as proporções na distribuição das ações ordinanas e preferenciais.


Em Assembléia Geral Ordinária de 30/4/80, ainda no Governo Maluf, a TAM - Transportes Aéreos Regionais aumentou o capital para Cr$ 176.751.397,00, com aproveitamento das parcelas disponíveis nas contas, reservas de incentivos fiscais, reserva legal, lucros acumulados dos exercícios anteriores, lucros do exercício e reservas estatutárias, capitalizando os dividendos, ou seja, por decisão da maioria acionária votante, vale dizer exclusivamente a Táxi-Aéreo Marília, os dividendos eram capitalizados, transformados em ações, e não recebidos pela VASP.


Até aqui praticamente não se modificou a proporcionalidade dos acionistas no capital e nas ações ordinanas e preferenciais.


No mesmo Governo, na Assembléia Geral Extraordinária de 11/12/80, houve alteração estatutária, quanto ao artigo 5.º que trata do capital social e das ações, de modo que o § 2.º do artigo, que dizia:


"Na omissão e colocação das ações, devem ser sempre respeitadas as proporções das ações ordinárias e das ações preferenciais que compõem o capital subscrito e integralizado",sofrendo as modificações:


1.º) suprimiu-se a palavra "integralizado" do fim do parágrafo, de modo a não se exigir a integralização, mas a simples subscrição, como cálculo para a proporcionalidade.


Não é preciso muita imaginação para concluir que essa modificação certamente não se destinava a beneficiar a VASP. 


2.º) fez-se um acréscimo ao referido § 2.º dispondo que:


"Excepcionalmente, por deliberação unânime dos acionistas que representam a totalidade do capital social, a emissão e colocação das ações poderá ser feita em proporção diversa da prevista neste parágrafo".


Parece que a modificação, aparentemente dando as ações preferenciais direito a voto para alterar a proporção entre ações ordinárias e preferenciais, beneficiaria a VASP, minoritária, para todas as decisões sociais, mas praticamente com poder de veto quanto a hipótese criada pela modificação estatutária.


Viu-se, na verdade, a VASP aceitar a alteração estatutária que modificava a proporcionalidade das ações, e isto só poderia beneficiar a Táxi-Aéreo Marília que, até então, não tendo nenhuma ação preferencial, continuaria sempre a não poder subscrever ações desse tipo.


Com a alteração a Táxi-Aéreo Marília poderia subscrever ações preferenciais e em proporção que não precisava mais obedecer ao capital efetivamente integralizado - bastava estar subscrito - por ela, embora a quase totalidade de emissão de ações imediata tenha sido de ordinarias. E que se preparava para minimizar a participação da VASP nessa modalidade de ações.


Na mesma Assembléia Geral, a VASP aceitou o aumento de capital para Cr$ 200.160.427,00, em que foram emitidas 99,99% das ações ordinárias e 0,01% de preferenciais.


Ressalve-se que houve voto divergente da VASP nesta Assembléia, quanto à deliberação da maioria no sentido de liberar o aumento de capital ao valor efetivamente subscrito.


E aqui que a Táxi-Aéreo Marília passa de 38% para 45% do capital social, e a VASP caiu de 61% para 54%. Se não tivesse sido alterado o § 2.º do art. 5.º dos Estatutos, com aquele acréscimo, a VASP poderia ter subscrito novas ações proporcionalmente às que detinha, e manteria os 61% do total do capital social.


Quanto às ações preferenciais, a VASP, permanecendo com as que tinha na proporcionalidade, caiu para 27,066% das ações, enquanto a Táxi-Aéreo Marília, subscrevendo praticamente a totalidade da emissão, passou a deter 72,93% das ações ordinárias (tinha antes 66,667%).


Em Assembléia Geral Ordinária de 30/4/81, ainda Governador Maluf, a TAM - Transportes Aéreos Regionais aumentou o capital para 289 milhões, com aproveitamento da correção monetária do capital social, neste caso tendo que manter as proporções acionárias.


Mas em Assembléia Extraordinária de 17 de agosto do mesmo ano, o capital foi aumentado de 289 milhões para 409 milhões de cruzeiros, com emissão de novas ações no valor de 120 milhões, na proporção de 62,198% de ordinárias (Cr$ 74.637.251,00) e 37,802% de preferenciais (Cr$ 45.362,749,00).


Na nova composição, a Táxi-Aéreo Marília integralizou sozinha a quase totalidade dos 120 milhões de cruzeiros passando de Cr$ 131.511.019,00, que tinha desde abril. para Cr$ 251.504.743,00. Em conseqüência, a participação da VASP no total do capital social caiu de 54,632% para 38,638%!


Na participação nas ações ordinárias a VASP caia de 27,066% para 19,142%, enquanto a Táxi-Aéreo Marília subia de 72,934% para 80,858%, e nas preferenciais a VASP caiu de 99,988% para 70,715% ao passo que a Táxi-Aéreo Marília subia de zero para 29,270%.


Os outros acionistas, só têm preferenciais, e nunca passaram de 0,015%.


Em Assembléia Geral de 30/4/82, pouco antes da desincompatibilização do Governador Maluf, houve aumento do capital social para 693 milhões de cruzeiros, em conseqüência da correção monetaria do capital, praticamente mantidas aquelas percentagens.


Da mesma forma, em Assembléia Geral de 29/4/83, no início do atual Governo Estadual, o capital da TAM - Transportes Aéreos Regionais foi aumentado para Cr$ 1.349.711.955,00 com capitalização da correção monetária do capital, mantendo-se as mesmas percentagens.


Nova Assembléia Geral, em 6/6/83, sendo agora Governador o Sr. José Maria Marin, com aumento do capital social para 1 bilhão e 590 milhões de cruzeiros, tendo a VASP e a Táxi-Aéreo Marília subscrito na proporção legal, mantendo-se os mesmos percentuais. .


Em 1.º/8/83, já Governador o Sr. Franco Montoro, em nova Assembléia Extraordinária, aumentou-se o capital para 1 bilhão e 990 milhões de cruzeiros havendo um aumento de 400 milhões com emissão de novas ações, sendo que a VASP, nada subscrevendo, caiu de 38,638% para 30,874% do total do capital social, enquanto a Táxi-Aéreo Marília, subscrevendo a totalidade, subiu de 61,356% para 69,121% do total do capital da empresa TAM - Transportes Aéreos Regionais.


Quanto à distribuição das ações, nas ordinárias a VASP caiu de 19,142% para 15,296% e a Táxi-Aéreo Marília subiu de 80,857% para 84,704%. Nas preferenciais, a VASP caiu de 70,715% para 56,506%, enquanto a Táxi-Aéreo Marília subia de 29,270% para 43,480%.


Verifica-se que, desde a constituição da TAM - Transportes Aéreos Regionais em 27/5/76, a participação da VASP, que era de 61,234% do total do capital social, em Assembléia Geral Extraordinária de 1.º/8/83 ficou reduzida a 30,874%, perdendo o percentual de 30,360% de participação no capital social da TAM - Transportes Aéreos Regionais, e de majoritária em 1976, passou a ser a minoritária em 1983.


Isto é, nos Governos Paulo Egydio, Maluf e Marin e começo do Governo Montoro!


Na constituição da companhia TAM - Transportes Aéreos Regionais, a VASP tinha uma ação para cada parcela de 0,63 de ação possuída pela Táxi-Aéreo Marília!
Em 1983, no Governo Montoro, após o último aumento de capital, a situação inverteu-se, e para pior, tendo a VASP apenas 0,45 de ação para cada ação possuída pela Táxi-Aéreo Marília.


A VASP, que, na constituição da Sociedade em 1976, contribuía com 61,234% do capital social, possibilitando a própria exeqüibilidade da nova empresa, entrando com nada menos do que oito aeronaves, detém, a partir de 1983, apenas 30% do capital social, e nem mais a vantagem das ações preferenciais apresenta, já que a Táxi-Aéreo Marília (43,480%) logo a iguala (56,406%) na planejada escalada para pôr a VASP no "olho da rua", praticamente expulsando-a da TAR - Transportes Aéreos Regionais - e vendo o seu patrimônio passando, como o planejado desde o início, para os antigos donos da "pré-falimentar" Táxi-Aéreo Marília.


Eis a situação a que se chegou pela omissão ou condescendência de governantes e administradores, dando como resultado o esvaziamento da VASP na TAR - Transportes Aéreos Regionais - depois de ter contribuído substancialmente para a constituição e validade da empresa.


O plano sinistro arquitetado em 1976com a decisiva contribuição da Portaria n.º 22, de lesionar o patrimônio da VASP e de permitir a absorção da parte desse patrimônio por aqueles que efetivamente detêm o comando acionário da TAM - Transportes Aéreos Regionais, prosseguiu de tal modo que se tomou irreversível.


Inútil prosseguir, a esta altura, no histórico da pulverização dos interesses acionários da VASP na TAM. A sorte já estava selada. E irreversível.


A prova do prejuízo da VASP ao perder as linhas regionais está comprovada pela própria expansão da TAM, que agigantou-se tanto e se tornou tão poderosa, que, em 1990, apresenta-se na pré-qualificação para aquisição do controle acionário da própria VASP, cujo sangue vinha sugando, desde 1976, com impulso do Ministério da Aeronáutica e a colaboração dos sucessivos Governos do Estado de São Paulo e das Diretorias da VASP!



DESPACHO DO CONSELHEIRO RELATOR JOSÉ LUIZ ANHAIA MELLO


Data: 27/1/93
Processo: TC 9090/026193
Interessado: Viação Aérea São Paulo – VASP
Assunto: Contas anuais do exercício de 1990


A esta altura, ao ensejo da análise das contas da VASP, atinentes ao exercício de 1990, é imperativo que esta Corte examine, também, os atos que envolvem o processo de sua privatização.


Nesse sentido, aliás, já o decidiu o Egrégio Plenário, em sessão realizada a 29 de agosto de 1990, como bem o assinala o ilustre Secretário Diretor Geral, em seu pronunciamento de fls. 277, verbis:


"Parece-me imprescindível que a auditoria avalie nos presentes autos os atos praticados pela Companhia durante o processo de privatização. 


Tal propositura decorre substancialmente do que afinal decidiu o Egrégio Plenário, ao entender que o acompanhamento dos atos do processo de privatização deveriam subsidiar o exame e apreciação das contas do mesmo exercício, aliás como já constava do entendimento do douro GTP - fls. 10 - in fine."


Fixada, assim, no tocante ao encaminhamento da matéria, a diretriz a ser observada daqui em diante, entendo que, de momento, como primeiro passo, se faz indispensável esclarecer determinadas ocorrências relacionadas com o processo de privatização - sem prejuízo, naturalmente, das diligências que, a seu tempo, serão promovidas pelo órgão de auditoria.


A merecer imediata elucidação por exemplo, destaca-se o fato amplamente noticiado pela imprensa, de que as terras oferecidas pelos outorgantes (Vagner Canhedo, sua mulher e outros) à Fazenda do Estado, em contragarantia dos avais concedidos à VASP, teriam sido superestimadas por engenheiros da Procuradoria Geral do Estado, com a atribuição de preços não condizentes com a realidade do mercado imobiliário.


A falsidade ideológica do laudo avaliatório, segundo o mesmo noticiário, teria sido devidamente comprovada por meio de nova perícia levada a efeito por outros engenheiros da propria Procuradoria Geral. Além dessa - acrescente-se a título meramente ilustrativo - haveria, ainda, uma outra perícia executada por técnicos da Policia Federal cujo resultado teria apontado, para as terras dos outorgantes, um valor ainda menor ao alcançado no trabalho de reavaliação.


Se verdadeiros os fatos, é inquestionável que a Administração está obrigada a adotar, seja na esfera administrativa, seja na via judicial, providências destinadas não só a promover a responsabilização dos autores do laudo fraudulento, como, também, a compelir os outorgantes a reforçarem as suas contragarantias. E isto com a celeridade exigida em tais casos.


Outro ponto a exigir amplos esclarecimentos, pelo seu aspecto inusitado, é o que diz respeito à troca, por áreas rurais, de imóveis urbanos oferecidos sob hipoteca, à Fazenda do Estado, em garantia dos avais mencionados.


Essa substituição de bens imóveis - é bem verdade - foi admitida na própria escritura de outorga de contragarantias, seja àquela lavrada no dia 25 de setembro de 1990 (cópia ou de fls. 162/176), mediante o acréscimo - antes da assinatura do instrumento pelas partes do seguinte adendo:


"EM TEMPO: Os contratantes declaram, em tempo, que têm entre si justo e acertado, mais, o seguinte: Os Outorgantes garantidores e a Outorgada garantida se comprometem a assinar, em data de 01 de outubro de 1990, escritura de retificação e ratificação da presente, pela qual os imóveis por esta Escritura dados em garantia hipotecária numerados de 01 (um) a 30 (trinta) e de 32 (trinta e dois) a 52 (cinqüenta e dois) serão substituídos por imóveis de propriedade da outorgante Agropecuária Vale do Araguaia Ltda., componentes da Fazenda Santa Luzia, situados em Aruanã, Estado de Goiás, registrados no Cartório de Registro de Imóveis da Aruanã - GO, em valor equivalente aos dos que serão substituídos, mantendo-se sempre a garantia no percentual de 150% (cento e cinqüenta por cento) do valor das dívidas da Viação Aérea São Paulo S.A. - VASP, garantidas pelo Tesouro do Estado de São Paulo, alterando-se o que for necessário nas cláusulas desta Escritura, em especial quanto ao disposto na cláusula 14 (catorze). A primeira e as segundas Intervenientes, Anuentes declaram que estão de acordo com o que está avençado neste "EM TEMPO" e se comprometem a comparecer ao ato e a assinarem a Escritura de retificação e ratificação, concordando com todos os seus termos e condições.


A inserção dessa ressalva depois de concluída a redação do texto da escritura, deixa claro, muito claro mesmo, tratar-se de mero arranjo de última hora - até porque, se assim não fosse, razão inexistiria para a inclusão dos imóveis urbanos no bojo do próprio instrumento material de outorga das contragarantias. 


E o inusitado do procedimento reside no fato de que, como é público e notório, os imóveis urbanos têm, via de regras, maior liquidez que os rurais. E, no caso, agredindo a lógica do mercado, substituíram-se propriedades localizadas em Brasília e em São José do Rio Preto (casas, apartamentos prédios, lotes e terrenos etc) por áreas rurais situados em Goiás, no longínquo município de Arauanã, da comarca de Mosarlândia.


Ante todo o exposto, e como medida preliminar, determino o imediato preparo de ofício à Procuradoria Geral do Estado, requisitando as informações e documentos que se fizerem necessários ao pleno esclarecimento do assunto.


Determino, outrossim, para complementar a instrução dos autos, seja solicitada a atualização, pela Secretaria da Fazenda, dos dados relativos à amortização das parcelas decorrentes do contrato de refinanciamento celebrado entre a VASP e o Banco do Brasil.


Para atendimento das requisições, fixo, desde logo, o prazo de 15 (quinze) dias.


Publique-se.


Prontas providências tomou o eminente Decano, Prof. Anhaia Mello, no processo das Contas de 1990, da VASP, oficiando à Procuradoria Geral do Estado no sentido de obtenção de reforço para as contragarantias do acionista controlador da VASP relativas ao avais dados pelo Tesouro do Estado.


Deve este Tribunal, na linha do determinado pela linha adotada pelo ilustre Relator Anhaia Mello, continuar permanentemente vigilante para que a privatização, que se originou de lei do Executivo, votada pela nobre Assembléia Legislativa, chegue a bom termo, preservando o patrimônio do Estado de eventuais prejuízos, que podem ocorrer em negócios de tão grande risco, cabendo lembrar que, de outro, importante conseqüência dessa privatização está no fato de o Tesouro Estadual já ter-se desobrigado de continuadas injeções de capital, para manter um transporte cujos únicos beneficiarmos eram os ricos e as empresas.


A Fazenda do Estado e a Procuradoria Geral devem insistir: sempre que necessário as contragarantias devem ser reforçadas.
(RELATÓRIO ANUAL DAS CONTAS DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO – 1992)


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