Suicídio de jovens mulheres avança em São Paulo
LUCAS
FERRAZ - DE SÃO PAULO – FOLHA - 23/02/2016 02h00
A curta história de Ariele Vidal Farias integra um fenômeno
crescente na cidade de São Paulo: os casos de suicídio de jovens mulheres, com
idade entre 15 e 34 anos.
Mais velha de três irmãos, Ariele vivia
com a mãe —os pais, separados, mas de convivência amistosa, contam que nunca
notaram sinais de depressão na primogênita.
Em março de 2014, ao voltar para casa à
tarde, após a escola, a irmã mais nova encontrou Ariele enforcada. Ela tinha 18
anos.
A família descobriria depois que a
ex-escoteira treinara os nós a partir de um livro, deixado fora do lugar, e até
uma boneca foi encontrada nos seus pertences com um laço no pescoço.
Na carta de despedida, escreveu:
"Gente morta não decepciona ninguém".
O número de suicídios de mulheres de 15
a 34 anos na capital, que representava 20% do total nessa faixa em 2010, pulou
para 25% quatro anos depois.
De acordo com o "Mapa da Violência
— Os Jovens do Brasil", estudo elaborado pela Flacso (Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais), a taxa de suicídio dos jovens em São
Paulo aumentou 42% entre 2002 e 2012.
Bruno Santos/Folhapress | |
O oficial de Justiça Ivo Oliveira Farias, 58, pai de Ariele Vidal Farias; ela se matou em 2014, aos 18 anos, enforcada |
"Tenho duas conjecturas para a
decisão dela. Uma possível crise pela descoberta da homossexualidade, ela tinha
contado para uma tia que gostava de uma menina, e o fato de ser muito exigente
consigo mesma", responde o pai de Ariele, o oficial de justiça Ivo
Oliveira Farias, 58.
A filha se preparava para seguir sua
carreira. Dias depois do enterro, a família receberia a notícia de que ela fora
aprovada em direito.
Psiquiatras entrevistados pela Folha
citam o agravamento de doenças psíquicas como o principal fator para explicar o
aumento de casos entre jovens mulheres. Contribuem também aspectos como maior
competitividade e pressão —profissional e familiar—, bullying, dificuldade para
lidar com decepções e o consumo de álcool e drogas.
Em grandes cidades, outro fator citado
por psiquiatras e psicólogos é o isolamento.
"Há uma mudança de comportamento
nas mulheres, as mais jovens mostram dificuldade para enfrentar adversidades,
pessoais e profissionais", afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro,
coordenadora de prevenção e suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria.
O aumento segue tendência mundial,
elevando a prática para a segunda causa de morte entre jovens mulheres —entre
os homens, o suicídio está na quarta posição.
Considerado tabu, o tema tem alta
subnotificação, que especialistas estimam em cerca de 30%. Na certidão de óbito
de Ariele, consta como a causa da morte enforcamento, não suicídio.
ELAS
E ELES
Os suicídios costumam ocorrer com mais
frequência, segundo estatísticas, na parte da tarde, com os atos realizados
geralmente em casa.
Apesar de as práticas violentas estarem
mais associadas aos homens, especialistas alertam para o crescimento de
suicídios violentos entre as mulheres, com um expressivo número de casos de
moças que se jogaram de prédios, por exemplo.
O enforcamento, contudo, ainda é o
principal meio para se tirar a vida, seja entre homens ou mulheres. Ainda
assim, são eles quem se matam mais —a exceção mundial é a China.
"Geralmente, a média é de a cada
três suicídios de homem, ocorre um de mulher. Entre os jovens, estamos
observando que a taxa diminuiu, de três para dois ou mesmo de dois para
um", acrescenta Alexandrina Meleiro.
Para os familiares, o mais difícil é
lidar com o luto. Não raro, pais, filhos e viúvas desenvolvem elas também a
vontade de se suicidar.
"O luto não termina", conta
Ivo. "Parece que não estávamos à altura para lidar com o sofrimento dela.
É algo que te tira a sensibilidade para todas as demais tragédias."
Ivo era dançarino de salão, mas não
bailou mais desde a morte de Ariele. "Não consigo dançar. Nem os meus
amigos conseguem entender".
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